Dinheiro
16 setembro 2021 às 05h00

Patrões querem criar escalões no IRC. Fiscalista acha ideia "discutível"

Progressividade no imposto sobre lucros de empresas defendida pelos patrões não é pacífica e pode ter efeitos limitados, avisa fiscalista

As confederações empresariais pedem, para 2022, um desagravamento de impostos que coloque o IRC a 15% para todos os negócios com matéria coletável até 100 mil euros, e a taxa intermédia do IVA nos 10%, três pontos percentuais abaixo do que é praticado hoje na restauração. Mas nem todas as propostas são pacíficas.

Sem análise de impacto para estas medidas, num pacote de 20 que apresentam ao governo e partidos para inclusão no próximo Orçamento do Estado, os representantes dos patrões nacionais dizem não estar a "exigir a Lua" e falam em "propostas exequíveis, realistas, e que têm em conta a conjuntura", segundo o atual porta-voz rotativo do Conselho Nacional de Confederações Patronais (CNCP), João Vieira Lopes.

A redução do IVA, dizem, "tem custos perfeitamente suportáveis". Mas será uma medida de grande impacto. Tanto mais, que vem acompanhada do pedido de redução para a taxa intermédia do IVA aplicado a bebidas alcoólicas e não alcoólicas vendidas em restaurantes, cafés e pastelarias.

Já no que toca a IRC, as propostas mantêm a taxa máxima de 21%, mas apenas para matéria coletável acima dos dez milhões, criando três escalões para aplicar independentemente da dimensão das empresas. Além dos 15% para matéria coletável até 100 mil euros, prevê-se uma taxa de 18% entre esse valor e o de dez milhões. A ideia é ainda reduzir a tributação dos grandes lucros, isentando valores até cinco milhões da derrama estadual e reduzindo a taxa máxima aplicável para 7%. Na tributação autónoma veículos de empresas também se pretende aumentar o número de escalões e reservar a taxa máxima de 35% apenas para veículos acima de 60 mil euros.

A ideia de criar escalões no IRC não é pacífica, embora a derrama estadual já funcione nessa lógica, e há mesmo quem admita a sua possível inconstitucionalidade.

"A nossa Constituição não prevê um imposto sobre as empresas progressivo. O imposto sobre as empresas é proporcional. A progressividade só está prevista para o IRS, o que é significa que é discutível que se possa criar ou desenvolver, aprofundar a progressividade do IRC", defende Nuno Cunha Barnabé, um dos coordenadores de direito fiscal da Abreu Advogados.

Na apreciação deste fiscalista, "o IRC não tem uma finalidade redistributiva". Por outro lado, defende, o escalonamento pretendido pode trazer desvantagem competitiva na atração de grandes multinacionais estrangeiras, ao mesmo tempo que tem efeitos diminutos para a "esmagadora maioria" das empresas nacionais. Só cerca de 43% pagavam efetivamente imposto em 2019.

"O efeito prático será termos as empresas tanto mais tributadas quanto mais lucrativa for a sua atividade. É um desincentivo claro à produção de riqueza", entende.

Por outro lado, as medidas são vistas como "extemporâneas" ao remeterem o desagravamento eventual para 2023, quando for liquidado o IRC de 2022, sem responderem ao atual quadro de dificuldades trazidas pela pandemia. E "politicamente difíceis" de gerir no parlamento, ao gerarem efeitos no termo da atual legislatura e início de novo ciclo eleitoral.

O especialista da Abreu aponta no entanto a outras medidas do pacote da CNCP, com maior potencial imediato. Desde logo, a proposta de dedução de prejuízos fiscais de 2021 aos lucros apurados em anos anteriores (tax losses carry back). Seria a medida de maior impacto, logo a seguir à descida da taxa intermédia de IVA, que para Nunca Cunha Barnabé é "pouco realista".

"Se uma medida como o carry back dos prejuízos for implementada, podemos imaginar que tudo o que foram atividades que tiveram prejuízo e tinham pago IRC no ano anterior vão ter um crédito do Estado do IRC que pagaram", diz. "O nosso contexto temporal é de prejuízos, não de lucros", lembra.

A criação de um regime especial de pagamento a prestações de IRS, IVA e IRC, sem juros ou exigência de garantias, proposta pelo CNCP, também é vista como uma medida eficaz de alívio, implicando apenas receita adiada que não deixará de ser cobrada.

A proposta dos patrões inclui ainda alargamento de deduções fiscais para o investimento e reforço de capitais próprios, além de incentivos à compra de participações sociais (amortizações de Goodwill até 5% ao ano).

Mas as medidas também abrem a porta a uma redução nas contribuições sociais, com impacto apenas no setor da agricultura. As confederações patronais propõem a isenção de IRS e de contribuições sociais para o trabalho extra agrícola, até um limite de 200 horas anuais.

Maria Caetano é jornalista do Dinheiro Vivo