Dinheiro
02 fevereiro 2023 às 00h15

Medina responde a professores com maior descida de sempre da dívida

"Dívida está melhor", disse o ministro. "Temos de ter em conta a situação geral do país, o país tem não só professores", "temos de cuidar do equilíbrio das contas públicas, não só para hoje, mas para o futuro", ripostou Fernando Medina, ontem, na TVI.

O rácio da dívida pública medido em proporção do produto interno bruto (PIB) registou, em 2022, a maior queda de que há registo nas séries do Banco de Portugal, que remontam a 1995.

Segundo o apuramento do banco central governado por Mário Centeno, o peso da dívida total recuou o equivalente a uns expressivos 10,8% a 10,9% do PIB no ano passado, para 114,7%, ou seja, o governo conseguiu mais do que reverter na íntegra o aumento da dívida acumulado com as últimas duas crises (a da pandemia e a inflacionista, que ainda não terminou).

Mas para o ministro, "não foi um ano excecional"; mesmo com estes resultados (dívida e défice abaixo das metas definidas pelo governo), a dívida tem de continuar a cair e, portanto, não há grande margem para sair do trilho das contas certas e do "equilíbrio", defendeu o governante.

As reivindicações dos professores não cabem bem neste plano que é "cuidar" do futuro das contas portuguesas.

Ontem também, já com o fecho oficial dos números da dívida relativos ao ano de 2022, Fernando Medina, foi questionado numa entrevista à TVI, se no atual contexto de contas públicas "melhores" do que o esperado (no défice e na dívida) haverá margem para devolver mais rendimento aos professores, respondendo à sua reivindicação da contagem de mais seis anos, seis meses e 23 dias ao nível das carreiras.

A resposta foi bastante dissuasora.

Medina: "o país tem não só professores"

"Temos de ter em conta a situação geral do país, o país tem não só professores. Tem professores, tem enfermeiros, tem médicos, tem funcionários da administração pública geral, tem um conjunto vasto de profissionais e, portanto, quando nós estamos a falar da ideia de que o Estado este ano teve mais receitas", isso não significa deixar de pensar nos próximos anos, atirou Fernando Medina.

O ex-autarca de Lisboa defendeu ainda que "devolvemos aos portugueses" a parte da receita fiscal que foi exacerbada pela inflação muito elevada, "vamos acabar com um défice próximo do que tínhamos previsto e vamos acabar com uma dívida melhor".

Medina vincou que "isso é bom para os portugueses e creio que todos percebem aí em casa", professores de Portugal incluídos.

E reforçou a ideia de que "nós temos de cuidar do equilíbrio das nossas contas públicas, não só para hoje, mas para o futuro, porque isto não foi um ano excecional".

Segundo o governo, "o impacto adicional atualizado da proposta dos professores de recuperação de seis anos, seis meses e 23 dias [para efeitos de carreira e remunerações] seria de 331 milhões de euros anuais".

Para a tutela de Medina, se o governo aceitasse um aumento da folha salarial dos docentes desta magnitude, estaria a aumentar a despesa de forma permanente, o que poderia levar a reprimendas da Europa, pois é como um embate frontal nas regras do Pacto de Estabilidade, um tratado que pugna, pelo contrário, por reduções consistentes nesses gastos ditos estruturais.

De acordo com as Finanças, "o impacto na despesa estrutural anual com remunerações da carreira docente atingiria 635 milhões de euros em 2023 e 750 milhões de euros em 2025, se consideradas todas as medidas propostas pelos sindicatos".

Assim, repetiu Medina na TVI, o melhor para garantir o futuro da despesa é continuar rumo ao "equilíbrio das nossas contas públicas" porque isso é que é "bom" para todos.

Sobre mais medidas concretas para responder às reivindicações dos sindicatos dos professores, Medina remeteu o problema para o seu colega João Costa, ministro da Educação.

Dívida podia ter caído ainda mais não fossem os "cofres cheios"

O Banco de Portugal mostrou ainda que a dívida até podia ter caído mais do que os referidos 10,8% do PIB em 2022. Só não aconteceu porque, devido à crise, o Tesouro decidiu voltar a acumular montantes significativos em liquidez (depósitos, por exemplo).

Quando há crises e alta incerteza, as Finanças optam sempre por encher mais os chamados "cofres" do Estado de modo a ter disponível financiamento rápido (neste caso, dívida contraída a preços ainda bastante aceitáveis durante 2022) para responder a eventuais incidentes nos mercados financeiros, por exemplo. Ou a subidas desordenadas de taxas de juro.

Assim, segundo o banco central, embora o rácio tenha aliviado (porque a economia andou relativamente bem, sobretudo no verão), o volume global da dívida continuou a subir. "Em comparação com o final de 2021, a dívida pública, na ótica de Maastricht, aumentou 3,3 mil milhões de euros."

O conjunto "numerário e depósitos" determinou o maior agravamento da dívida: foram mais 5,2 mil milhões de euros para os cofres no ano passado face a 2021, naquele que é o maior contributo desde 2018, pelo menos. Os empréstimos do Plano de Recuperação e Resiliência somaram mais cerca de 400 milhões de euros.

Mas o balanço final das idas aos mercados e reembolsos de dívida (como obrigações) até serviu de travão: segundo o BdP, o fluxo líquido em 2022 até foi negativo: menos 2,3 mil milhões de euros.

Hoje a saga da dívida e dos juros continua. O Banco Central Europeu (BCE) reúne para decidir uma nova subida de taxas de juro na zona euro. O consenso aponta para um agravamento de 0,5 pontos percentuais, o que colocará a taxa principal nos 3%. Mas não vai ficar por aqui. Segundo vários analistas, deve chegar a 4% ou mais no decorrer deste ano. Depende da guerra e da gravidade da inflação.

Luís Reis Ribeiro é jornalista do Dinheiro Vivo