Dinheiro
31 julho 2021 às 08h10

Maria Tsavachidis: "Carros elétricos não são panaceia para combater mudanças climáticas"

Maior aposta no transporte coletivo, na mobilidade ativa e em cidades mais verdes, "onde só precisamos de metade do espaço para carros", é o que defende a CEO do EIT Urban Mobility, uma iniciativa do European Institute of Innovation and Technology, da União Europeia.

Carla Aguiar

Qual é a principal missão do EIT Urban Mobility?

O EIT Urban Mobility (uma iniciativa do European Institute for Innovation and Technology, um organismo da União Europeia) é uma comunidade de inovação para acelerar a transição para a mobilidade sustentável, segura, acessível e inclusiva e tornar as cidades europeias mais habitáveis. A Comissão Europeia fundou o EIT em 2006, porque tinhamos uma excelente investigação, mas o conhecimento raramente era transformado em novos produtos ou serviços. A ideia é promover o empreendedorismo e a inovação para resolver grandes desafios sociais e preencher essa lacuna. Hoje, o EIT apoia oito comunidades de conhecimento e inovação que abordam oito desafios sociais diferentes, sendo o EIT Urban Mobility uma delas, desde 2019. Reunimos todos os atores da cadeia de valor da Mobilidade (cidades, cidadãos, universidades, investigação, indústria, startups) e também apoiamos a formação virada para o empreendedorismo, apoiando startups e scaleups, para testar novas soluções de mobilidade e trazê-las mais rapidamente ao mercado. Temos cinco centros de Inovação em Barcelona, Munique, Praga, Helmond e Copenhaga.

Qual é a maior prioridade? Investir em transporte público de massas, como a ferrovia, metro e autocarros ou em mobilidade elétrica?

Ambos são importantes. O transporte coletivo é a espinha dorsal da mobilidade sustentável em áreas de alta densidade. Por outro lado, não há transporte de emissão zero sem eletrificação. Os carros elétricos vão reduzir a poluição, mas não são a panaceia para combater as mudanças climáticas e tornar as cidades mais habitáveis. Por uso ineficiente de recursos, tanto de hardware de veículos, como de energia e espaço. Ainda pode demorar 15 a 30 anos até que que toda a energia por eles utilizada seja 100% renovável. Até então, elétrico não significa emissão zero, pois ainda acarreta alto consumo de metais na produção e reciclagem de baterias. E continuam a ocupar espaço. Ora, um carro estacionado ocupa tanto espaço quanto 12 bicicletas.

Por isso mesmo, existe investimento suficiente no transporte coletivo nos países do sul?

Depende do país. Mas temos visto muitos países a investir em linhas de alta velocidade nos últimos anos, como é o caso da Espanha. No entanto, as ligações ferroviárias intermunicipais não receberam investimento suficiente e, portanto, não garantem um serviço suficiente devido às antigas infraestruturas. Agora, Portugal acaba de anunciar grandes investimentos. Quanto à rede de metro e de autocarros, cidades como Lisboa, Porto ou Barcelona oferecem melhores serviços de transporte público em comparação com outras cidades europeias, pois têm substituído os veículos antigos por elétricos e híbridos. Agora, graças aos fundos de recuperação da UE, os países do Sul terão uma excelente oportunidade para investir em novas infraestruturas e digitalização, e a boa notícia é que não será apenas para grandes áreas urbanas.

Que exemplos de boas práticas em mobilidade sustentável aponta nas cidades do Sul? Barcelona tem planos muito ambiciosos...

Sim, Barcelona está a ir muito bem. A cidade tem um ambicioso plano para se transformar em dez anos, tirando espaço aos carros e devolvendo-o às pessoas. E outras cidades como Lisboa e Porto estão a fazer o mesmo. O EIT Urban Mobility visa acelerar esse processo que as cidades começaram, trazendo-lhes soluções inovadoras através, por exemplo, da nossa unidade City Club. Em 2018, Lisboa ganhou o prémio Capital Verde da Comissão Europeia, com o júri a considerá-la "uma inspiração e um modelo para as cidades da UE, demonstrando claramente que a sustentabilidade e o crescimento económico andam de mãos dadas." Em dezembro de 2019, importantes entidades assinaram o Pacto de Mobilidade Corporativa, que se compromete a realizar mais de 200 ações de mobilidade sustentável em Lisboa.

O EIT Mobility RIS Hub em Portugal foi lançado em outubro de 2020. Que medidas tomou?

Ao nível da criação de negócios, lançou um programa de inovação aberta no qual as cidades da Covilhã, Angra do Heroísmo, Braga, Abrantes, Fundão e Área Metropolitana de Lisboa se ligaram a mais de 50 startups para criarem pilotos em conjunto. O hub também treinou mais de 30 equipas no Jumpstarter do EIT, organizou workshops e debates. Apresentou três projetos vencedores para o próximo ano e um programa europeu de criação de empresas. Está também a lançar um curso intensivo para executivos sobre mobilidade urbana.

Acabam de lançar candidaturas para projetos relacionados com inovação. Quais as prioridades?

A área de Inovação do EIT lançou a convocatória anual priorizando quatro tópicos como mobilidade ativa, logística urbana sustentável, energia e mobilidade futura. Outro exemplo de prioridade é a digitalização, que passa por novos serviços de Mobilidade como Serviço, (plataformas e aplicativos), especialmente aqueles que integram serviços de micromobilidade (e -scooters, e-bikes ou ciclomotores) com transporte público. Mas também hubs inteligentes de transportes onde se concentram diferentes modos de transporte partilhado, alternativos aos automóveis. Sempre sem esquecer a segurança dos ciclistas.

Qual é o orçamento para a agenda estratégica e qual o principal foco?

Nós concentramo-nos no que acelera a mudança e preenche as lacunas existentes. Por exemplo, a condução autónoma, reaproveitamento de ruas, dados e plataformas MaaS, aproximar a indústria com as cidades, as cidades com as startups. No total temos 350 milhões de euros até 2027 para Educação, Demonstrações, Apoio a startups e criação de novos negócios. O nível financiamento do EIT para 2022 é de 17 milhões de euros. Já temos sete hubs, aumentando para 12 este ano.

Como é a cidade dos seus sonhos? É alcançável em dez anos?

Sou otimista, acredito que sim. Mas as cidades europeias já têm muitas coisas boas. Eu adoro a sua densidade, o verde, a mistura de património histórico e modernismo. Precisamos de mais meios para que todos tenham um parque próximo das suas casas e empregos e acesso a opções de viagem limpas e eficientes. Precisamos de apenas metade do espaço para carros.

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Legenda: Maria Tsavachidis é a CEO do EIT Urban Mobility, baseado em Barcelona.

Texto: Carla Aguiar

Foto: D.R.