Dinheiro
28 junho 2022 às 08h20

O momento Draghi de Lagarde. "Iremos tão longe quanto necessário" na subida de juros

Lagarde frisou que os níveis de inflação estão indesejavelmente elevados e que é preciso arrefecer os mercados. Mas disse que o BCE ajudará os países a prosseguir com "políticas públicas saudáveis", protegendo-os de taxas de juro demasiado elevadas, sobretudo os mais vulneráveis. É o caso de Portugal.

Dinheiro Vivo

Christine Lagarde abriu o fórum anual do Banco Central Europeu (BCE), esta terça-feira, com um momento do estilo "we will do what ever it takes" celebrizado pelo seu antecessor Mario Draghi, mas ao contrário.

Enquanto Draghi disse, há quase dez anos (em julho de 2021), no auge da outra crise que o BCE "faria o que for preciso" para fazer baixar as taxas de juro que ameaçavam derrubar vários países do euro (como Portugal, mas também Espanha, Itália e até se chegou a olhar para França), implodindo a união monetária, esta terça-feira, na intervenção de abertura do encontro anual, em Sintra, Lagarde, a presidente do BCE, deixou claro que a subida dos juros vai ser musculada e que "iremos tão longe quanto for necessário para assegurar que a inflação estabiliza na nossa meta de 2%, no médio prazo".

É também um momento Draghi na medida em que o uso de palavras e expressões fortes pode ajudar a dominar as forças dos mercados, subindo ou baixando expectativas. Neste caso, espera-se que as palavras de Lagarde contribuam para arrefecer os ânimos bastante exaltados em alguns mercados, como os da energia e dos produtos alimentares.

Há dez anos, as palavras de Draghi tiveram esse efeito imediato e duradouro nas taxas de juro, mesmo sem o BCE atuar logo de forma massiva. Desceram.

Hoje, as palavras fortes de Lagarde poderão surtir um feito equivalente, mas ao contrário, acabado por impulsionar alguns referenciais de taxas de juro, mas sem que Frankfurt se veja obrigado a encarecer muito o custo do dinheiro de forma transversal ou indiscriminada e muito pronunciada.

Aliás, em Sintra, Lagarde deixou claro que é possível fazer as duas coisas. Subir taxas de juro, terminar programas de compras de dívida e outros ativos e, ainda assim, continuar a salvaguardar um bom ambiente de preços (juros) nos sistemas bancários e nos países mais expostos às "vulnerabilidades" que ainda perduram na zona euro.

Lagarde frisou que os níveis atuais e as expectativas de inflação estão indesejavelmente elevados e que é preciso arrefecer a economia, mas garantiu que o BCE o irá fazer acautelando o interesse dos países em prosseguir com "políticas públicas saudáveis" e em não serem penalizados pela "fragmentação" nos níveis de juros da zona euro.

Ou seja, como referido, arranjando maneiras e instrumentos que ajudem os Estados mais vulneráveis (via setores bancários, os que recebem diretamente o impacto das medidas do BCE, transmitindo-as às economias) a não sucumbir à subida rápida de juros que já começou e se vai prolongar por algum tempo.

Lagarde explicou que é possível desenhar instrumentos, como o escudo que vai proteger Portugal e outros países mais endividados desta torrente de subida nos juros, fazendo com que as taxas de juro se mantenham relativamente mais contidas, mesmo que as taxas diretoras estejam a subir.

Esse escudo "anti-fragmentação", anti-crise nos mais endividados do euro e expostos à agressividade dos especuladores, pode passar por um esquema de compras direcionadas de ativos que aliviem os países, mas o BCE ainda está a desenhar essa ferramenta. Novidades só na reunião de política monetária de 21 de julho, quando aumentar as taxas de juro de referência.

Tendo em conta que a inflação furou a barreira histórica de 8% em maio, parece que a subida dos juros vai ter de continuar de forma "gradual e sustentada", ainda que possa ser ajustada se a situação mudar.

Por exemplo, se a guerra na Ucrânia continuar, quase de certeza que os juros vão ter de subir e muito, à medida que as sanções contra a Rússia (e a resposta da Rússia contra o Ocidente) secam definitivamente o abastecimento de petróleo e de gás, encarecendo ainda mais a energia.

Se a guerra acabar, aquele cenário pode alterar-se radicalmente. Mas não é esta a base de trabalho a atual. BCE e outras instituições, como a Comissão e o FMI, admitem antes que a guerra vai continuar, não havendo de facto, hoje, um fim à vista.

Nesse sentido, Lagarde disse aos economistas e decisores políticos e financeiros sentados em Sintra que "a inflação na zona euro está indesejavelmente elevada e prevê-se que se mantenha assim durante algum tempo".

O banco central dos 19 países que partilham o euro tem vindo a "normalizar" a sua política (isto é, a tomar decisões que agravam juros) desde dezembro do ano passado.

"As compras líquidas de ativos líquidos ao abrigo dos nossos vários programas chegarão ao fim esta semana", constatou a antiga chefe do FMI.

E "em julho [diz 21] tencionamos aumentar as nossas taxas de referência pela primeira vez em 11 anos". A taxa de refinanciamento (a principal referência do BCE) está em 0% desde 2011, mas em julho já deve subir ara 0,25%.

E "continuaremos esta via de normalização - e iremos até onde for necessário para assegurar que a inflação estabiliza no nosso objetivo de 2% a médio prazo".

Em setembro, se os dados da inflação se confirmarem insustentáveis na ótica do BCE, então as taxas de referência devem subir ainda mais do que 0,25%, reiterou Lagarde.

Podemos estar a falar de um agravamento de 0,5 pontos percentuais, colocando o custo de refinanciamento dos bancos comerciais junto do BCE nos 0,75%. Ou mais. Depende da guerra e da inflação.

(atualizado 11h30)