Dinheiro
27 junho 2022 às 05h00

Christian Asinelli: "É uma hipótese histórica para aproximar Portugal e América Latina"

Vice-CEO do banco de desenvolvimento da região, explica prioridades e potencial de negócios bilaterais. E realça o papel que a instituição pode assumir.

Joana Petiz

Como estão as relações comerciais entre América Latina e Europa, especificamente Portugal?
A Europa continua a ser um parceiro relevante para a maioria das nossas economias, sendo segundo ou terceiro parceiro na maioria das economias da América Latina e Caribe e há também grande relevância de investimentos. Historicamente, a Europa é um investidor direto estrangeiro de peso, gerando emprego e transferência de conhecimento. E a covid gerou consenso sobre a necessidade de alinhar esforços globais para uma agenda de desenvolvimento sustentável que responda aos desafios sociais e ambientais. Somos chamados a ter um papel na recuperação mas também na agenda digital e há oportunidades de colaboração importantes a surgir nos próximos anos em áreas como a ação climática, conservação da biodiversidade e desenvolvimento tecnológico. A América Latina tem um papel crucial como fornecedor de recursos naturais para a energia, construção e inovação e continuará a ter papel fundamental na transição para economias mais verdes e digitais. Temos uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo e potencial para as renováveis, além de recursos naturais essenciais a essa aposta, bem como às fontes tradicionais necessárias durante o processo de transição. Este cenário favorece o estreitamento de relações. Podemos ser parte da solução para os reptos energéticos e até como fornecedor de alimentos para a Europa no contexto da guerra na Ucrânia.

Que oportunidades de desenvolvimento encontra?
Assim, áreas como a energia renovável, ambiente, gestão de recursos hídricos e sólidos, modernização de processos produtivos para reduzir a pegada de carbono, eletrificação de transportes, desenvolvimento da industria 4.0 e impulso à digitalização das PME, mas também na área agrícola e turismo sustentável, florestas, costas e espaços urbanos há oportunidades.

E no caso específico de Portugal?
América Latina, Caribe e Portugal têm uma relação histórica que se reflete até nos fluxos migratórios, diálogo político e trocas alargadas. Tradicionalmente, as relações com o país, comerciais e de investimento, têm estado ligadas ao Brasil, mas há hoje uma oportunidade histórica para aproximar Portugal, América Latina e Caribe e a CAF (banco de desenvolvimento da região) pode colaborar e intermediar aproveitando temas em que Portugal tem larga experiência, como a água e o saneamento, gestão de resíduos sólidos, ação climática e digitalização, mas também desenvolvimento de PME e centros agrologísticos, etc.. Portugal tem-se convertido num país que capta muito IDE e uma vez mais aqui há um papel do Brasil, mas que pode estender-se ao resto da região, convertendo o país numa porta de entrada para empresas latino-americanas no mercado europeu. Há todas as condições para pensar numa parceria estratégica entre Portugal e América Latina, focada nos grandes desafios globais, nas oportunidades que a nossa região tem para as empresas portuguesas e nas vantagens ibéricas como porta para a América Latina e Caribe.

Que papel pode ter nisso um banco de investimento?
A covid pôs a nu a importância de bancos de desenvolvimento multilaterais em momentos de emergência, contribuindo de forma ágil e definitiva para responder às necessidades dos países. A CAF disponibilizou desde logo linhas de apoio, fornecendo liquidez a prestadores de serviços básicos, PME e ajudando a fortalecer os sistemas de proteção social e da saúde. E há que continuar a apoiar os países na recuperação para um crescimento justo e sustentável, ou seja, para uma rápida retoma, mas que capitalize das lições do passado e seja duradoura, melhore a produtividade e a competitividade da região e compense as diferenças estruturais decorrentes de acesso a infraestruturas, educação, desigualdade e pobreza. A CAF pode ter um papel fundamental, como ponte entre a Comunidade Europeia e a América Latina e Caribe para canalizar recursos que agilizem as agendas ambientais e sociais, aprofundem a aposta em infraestruturas e motivem alianças com entidades públicas e privadas. Queremos ser uma plataforma estratégica, habilitadora e dinamizadora da cooperação internacional, para uma agenda de recuperação e desenvolvimento centrada na economia verde, sustentável e digital. E as empresas portuguesas podem dar um contributo muito relevante a estes objetivos da CAF no diálogo entre regiões e na execução dos projetos.

A transformação energética para a descarbonização é uma via fundamental nessas relações?
A nossa região tem as maiores reservas de petróleo depois do Médio Oriente e detém 4,2% das reservas de gás globais. É também onde se produz mais energia hidroelétrica no mundo e na recente lógica de eletrificação das economias temos das melhores condições para geração de energia eólica, nomeadamente na Patagónia, enquanto no norte do Chile e no sul do Peru há condições extraordinárias para o solar. Por outro lado, Argentina, Bolívia e Chile têm as maiores reservas de lítio do mundo, estima-se que 64% do total. Sendo a transição energética e a descarbonização da economia prioritárias e havendo muito por fazer para tornar as nossas cidades mais eficientes, há oportunidades incríveis. E a CAF quer ser um parceiro para os países chegarem a esses objetivos, com a Europa a poder ter um papel de acompanhamento da região.

Tópicos: Economia, dinheiro