Alexandre Fonseca: "A iliteracia digital é uma grave preocupação para a competitividade do país no futuro"
Alexandre Fonseca é o Presidente Executivo da Altice Portugal.
Como antevê o retrato da saúde em Portugal?
Num momento muito difícil para Portugal e para os portugueses, os profissionais do Serviço Nacional de Saúde deram uma resposta incrível ao país, conseguindo ultrapassar obstáculos e fazendo frente a duras vagas pandémicas. Contudo, esperava-se mais da estratégia do Estado, principalmente por termos aprendido tanto na primeira vaga e pouco o termos aplicado nas seguintes. O período conturbado serviu para testemunharmos lacunas existentes em alguns serviços chave da área da saúde do nosso país, como a notória falta de capacidade de comunicação entre instituições, desconexão entre sistemas e plataformas - alguns deles pertencentes às mesmas entidades ou serviços ministeriais -, bem como uma comunicação muito pouco objetiva e rigorosa, que andou para a frente e para trás, essencialmente porque percebemos que a preparação não tinha sido efetuada de forma eficiente. Urge, por isso, melhorar. Essencialmente na uniformização de plataformas, na eliminação de silos sistémicos e sistemas proprietários não comunicantes e na capacidade de resposta em toda a capilaridade nacional. É por isso que é essencial assegurar a Transição Digital do Estado. O atual momento fica assim marcado como um impulsionador da digitalização da saúde, conduzindo ao desenvolvimento de novas tecnologias e ferramentas. A pandemia demonstrou-nos o quão importante é a manutenção e continuidade da prestação de cuidados de saúde e como a tecnologia poderá ajudar na monitorização remota dos mesmos. Não apenas em Portugal, mas também a nível global, esta crise sanitária veio acelerar mudanças comportamentais na forma de prestar e receber serviços de saúde, particularmente ao nível de cuidados primários, e potenciar plataformas tecnológicas que já existiam no terreno, mas que ainda não eram muito utilizadas. A tecnologia para o fazer existe e pode ajudar-nos a todos. Seja através de soluções seguras, que possibilitem serviços de monitorização de sinais vitais e suporte à gestão da doença, seja para consultas médicas por videochamada, sem a necessidade de deslocação do doente, ou para digitalização do processo clínico de todos os cidadãos ou ainda a gestão eletrónica dos fluxos de informação dentro dos hospitais "digitais". O SNS 24 é um exemplo, um serviço inédito na Europa e gerido pela Altice Portugal e que cresceu na sua capacidade de resposta, através de várias melhorias na linha de atendimento, como uma plataforma de atendimento e que dispõe de intérpretes de língua gestual portuguesa. O nosso posicionamento continua assim por passar pela Inovação & Desenvolvimento de serviços pioneiros e pela disponibilização de soluções para a transformação digital dessas instituições.
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Qual seria para si o governo ideal para o país?
Portugal enfrenta tempos dos mais desafiantes da sua história com a crise pandémica a ultrapassar, em dimensão e gravidade, as previsões da maioria dos cenários de crise. É fundamental que os líderes tenham capacidade de gestão daquele que é, provavelmente, um dos desafios de maior complexidade, magnitude e com maiores consequências para a história recente da humanidade. Isto exige muito estudo, conhecimento de realidades de outros países e continentes e a capacidade de apresentar um plano integrado de longo prazo, que permita que a economia e a sociedade se adequem previamente para enfrentar esse período de tempo. Neste sentido, os líderes e decisores políticos devem ter uma clara visão sobre o contexto com que se deparam e delinear uma estratégia que, defendendo as pessoas, não prejudique a economia e o país. É preciso ouvir muito mais os agentes económicos, analisar as suas propostas e perceber que juntos tudo se torna mais fácil, a economia agradece e o país fortalece-se. Por outro lado, a iliteracia digital é uma grave preocupação para a competitividade do país no futuro. Esse combate é essencial pois não só defende o país, como salva as pessoas, criando oportunidades que esse entrave lhes retirou. Não se entende como é que um país com condições ou um contexto tecnológico e inovação tão avançado como o nosso, não retire desta realidade soluções para combater a iliteracia digital. Por fim, urge uma resposta clara sobre a política fiscal e as exigíveis reformas na justiça. Milhões de investimento em Portugal perdem-se todos os anos por não sermos atrativos, por sermos burocráticos, pouco apelativos fiscalmente e por qualquer diferendo demorar anos, senão décadas, nos tribunais. Da liderança política é necessária uma visão de futuro com a reafirmação de valores fundamentais como a cooperação e a inclusão, a criação de alternativas robustas e eficazes para que a sociedade e a economia continuem a funcionar, com a maior normalidade possível, mas que recuperem de forma equilibrada e sustentada.
De que forma poderá o país voltar a colocar a economia na rota de crescimento?
Fundamentalmente através do coinvestimento entre o setor privado e público. São as empresas que criam valor e emprego, que pagam impostos e que canalizam esses impostos para a riqueza do país. Lamentavelmente mais de 2/3 do investimento no PRR foi canalizado para a esfera pública e não para a esfera privada. Esta realidade impossibilita condições para termos uma economia mais competitiva a nível internacional, para atrairmos mais investimento, essenciais para que possamos estar cada vez mais próximos dos elevados padrões europeus. É por isso essencial:
• Colocar as empresas no centro da recuperação da economia, transformando-as no motor real do crescimento e da criação de riqueza, ajudando-as na qualificação das suas competências digitais, na qualificação dos recursos humanos e da gestão.
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• Criar condições, a partir das bases existentes, para a diversificação da economia, tornando-a mais resiliente, estimulando a reorganização das cadeias logísticas e de produção.
• Investir na ciência, na investigação e no desenvolvimento tecnológico; na educação e formação; na qualidade da gestão.
• Apostar na criação de economias de escala, resolvendo o problema da fraca presença de empresas de dimensão média e grande no tecido produtivo, e aumentar a qualificação das competências digitais das empresas para poderem competir no mercado mais alargado.
• Criar condições para construir uma economia inclusiva e aberta que funcione a favor da maioria das pessoas, utilizando de forma mais eficiente a capacidade produtiva instalada, atraindo investimento interno e externo.
• Apostar num Estado com mais qualidade, promovendo as suas competências digitais, melhorando toda a interação com os cidadãos e as empresas, simplificando os processos de licenciamento da atividade económica, desburocratizando-os, revisitando os mecanismos de contratação pública, e sempre com o objetivo de atingir a maior transparência na gestão dos dinheiros públicos e na prestação de contas.
• Dar atenção à necessidade de aumentar a eficácia dos reguladores, tendo em conta o papel central da regulação, que deve ser simples, desburocratizada e ativa, bem como promover a avaliação dos reguladores e abrir concursos internacionais para quebrar a endogamia típica da sociedade portuguesa.
• Combater a lentidão da justiça e promover a celeridade dos processos de licenciamento ao investimento.
Salário mínimo: um desafio ou uma oportunidade? Vai ajudar ou desajudar o país?
Sobre esta matéria a Altice Portugal já foi ouvida e já teve oportunidade de se pronunciar. No entanto, posso adiantar que não é o aumento ou a descida do salário mínimo que influencia o crescimento económico e a melhoria das condições de vida das famílias. O país precisa urgentemente de uma revisão da lei laboral, de uma revisão da política fiscal, bem como de uma reforma profunda no setor da justiça que promova maior eficiência e celeridade nas decisões judiciais. Por outro lado, deve investir-se no talento jovem, na mão-de-obra qualificada, na qualificação digital de adultos em idade ativa e nas competências digitais dos gestores das PME. Para sermos mais competitivos, pois este é o verdadeiro problema do país, é essencial formar e dotar a população portuguesa, jovens ou adultos, de competências digitais chave que promovam ganhos de novas capacidades e oportunidades. Sendo também fundamental uma verdadeira transformação digital que se veja, se sinta e promova a transição para uma economia mais globalizante, que nos permita, com qualidade, e celeridade, marcar posição em mercados que o nosso país ainda hoje desconhece.
Envelhecimento ativo é outra preocupação. O que fazer em 2022 para cuidar dos mais velhos (que tanto sofreram, ficando isolados com a pandemia)?
O envelhecimento da população portuguesa é crónico e exige medidas de longo prazo. À cabeça, este grave problema só se combate se o país demonstrar que cria melhores condições para a fixação dos nossos jovens. Só o crescimento económico sustentado permite essa fixação e a possibilidade de novas medidas, verdadeiramente ajustadas a este objetivo. Tudo o resto serão apenas e só analgésicos. O verdadeiro apoio às famílias vem do emprego e da minimização da carga fiscal, aumentando o rendimento familiar disponível para o consumo e a melhoria das suas condições de vida. Não são subsídios que resolvem o problema crónico do envelhecimento, mas sim reformas sérias de longo prazo. Há muito que devíamos ter aprendido com o passado. No que toca ao isolamento dos idosos, a Altice Portugal foi um agente ativo nos momentos mais difíceis que a pandemia nos obrigou a viver. Distribuímos tecnologia, equipamentos e software a instituições de segurança e de saúde pública, para que pudessem monitorizar situações de isolamento de idosos, bem como permitir o contacto diário e a todo o momento com as suas famílias. Também aqui, a Altice Portugal, com parceiros como as Misericórdias Portuguesas e as IPSS, apresentaram soluções para no futuro não revivermos os problemas do passado recente. Com fibra ótica da Altice Portugal em todo o território nacional, é hoje possível ao Estado, querendo, tornar possível a monitorização e acompanhamento de situações de isolamento que merecem a nossa maior atenção. Urge a criação de uma plataforma que uniformize sistemas existentes e que permita que a tecnologia, a inteligência artificial, a ciência de dados, a computação avançada possam fazer o resto.
Alterações climáticas: que contributo irá dar, a título pessoal e através da sua
empresa, para colmatar esses efeitos?
A sustentabilidade é um dos pilares intrínsecos à cultura e à estratégia da Altice Portugal, que procura, no seu dia-a-dia, promover uma atitude responsável face às questões ambientais, tendo especial atenção ao impacte ambiental das suas atividades. Com o intuito de combinar um crescimento rentável que seja sustentável e responsável do ponto de vista social e ambiental, temos vindo a implementar várias iniciativas ambientais com impacto nos clientes, colaboradores, sociedade e outros stakeholders. Neste sentido, para controlar os riscos das alterações climáticas e da frequência e severidade de eventos climáticos extremos, temos vindo a assegurar:
• Planos de continuidade de negócios e procedimentos operacionais que visam aumentar a resiliência da sua rede e dos sistemas de informação, melhorando a capacidade de resposta a eventos climáticos extremos.
• Programas de eficiência energética e monitorização para reduzir a pegada de carbono.
• Serviços que ajudam os clientes a minimizar as suas necessidades de energia, incluindo a instalação de equipamentos mais eficientes ou o desenvolvimento de serviços de IoT que usam inteligência de rede para otimizar o desempenho e minimizar o consumo de energia.
• Participação em grupos de trabalho para identificar, analisar e avaliar os principais impactes e vulnerabilidades em relação às alterações climáticas.
• Medidas de proteção de infraestrutura e resiliência de rede que melhoram a capacidade de adaptação às alterações climáticas.
• Implementação de boas práticas ambientais na Empresa, fornecedores e clientes, tendo merecido o progressivo reconhecimento e a certificação internacional ISO 14001 em todas as suas áreas de negócio.
Se fosse um super-herói, qual seria?
Possivelmente o Homem de Gelo (super-herói do universo Marvel), para repor os nossos glaciares e promover a normalidade climática no globo que, de forma tão irresponsável, destruímos no último século.
Um luxo para si, em 2022, é?
Regressar à normalidade social, abraçar os amigos e viver em harmonia com a minha família, contemplando o sorriso de todos.
Qual é aquele livro/desporto/viagem/atividade que tem vindo a adiar e que quer mesmo ler/fazer no novo ano?
No novo ano gostaria de encontrar mais tempo livre para estar com os amigos e família, aqueles que são tão importantes no nosso equilíbrio e felicidade e que por vezes não têm a atenção que merecem, pelos meus afazeres profissionais.
Gostava igualmente de regressar, em lazer, a uma das minhas cidades de eleição, Nova Iorque, voltar a visitar o MoMA, o Museu Guggenheim e o assistir a um jogo dos New York Knicks no Madison Square Garden. Na literatura, irei tentar ler o 2.º volume de Sapiens, a graphic novel - The pillars of civilisation, de Yuval Noah Harari.