Sala, "o bom rapazito" que dava "porrada" nos veteranos dos distritais alentejanos
Avançado argentino jogou no FC Crato em 2009/10 - fez apenas um jogo e marcou dois golos. Não voltou após passar o Natal na Argentina e reapareceu em França, onde se destacou nos últimos anos. Avião em que viajava para Cardiff desapareceu esta segunda-feira.
Emiliano Sala, avançado argentino de 28 anos, viajava de Nantes para a capital do País de Gales esta segunda-feira à noite quando o avião privado em que seguia desapareceu dos radares, não tendo ainda sido encontrado pelas autoridades. O jogador tinha acabado de assinar contrato com o Cardiff, da I Liga inglesa, a troco de 17 milhões de euros. Autoridades continuam as buscas a norte da ilha de Alderney, no Canal da Mancha.
A estreia na liga inglesa, que podia acontecer no dia 29 em casa do Arsenal, seria o culminar de um percurso ascendente na Europa, iniciado em 2009/10 no... FC Crato, equipa dos distritais de Portalegre. "A contratação dele deu-me um bocadinho de trabalho, porque fui eu próprio que fui buscá-lo a Málaga, onde tive meia hora para comer um bifinho de cebolada enquanto ele preparava as malas. Regressámos ao Crato por volta das 19.00, já com o treino a decorrer, e ele equipou-se e foi treinar. Tínhamos cá dois argentinos que o recomendaram e integrou-se bem porque tinha cá dois compatriotas. Era um jovem com 18 aninhos mas já mostrava as qualidades que exibe agora. Tínhamos no plantel alguns veteranos que passaram pela II Divisão e diziam: 'Porra, em vez de darmos porrada ao miúdo é o miúdo que nos dá porrada a nós!'", contou ao DN o presidente do clube alentejano, José Manuel Curado, que recorda "um bom rapazito".
Não regressou depois do Natal
Se José Curado teve apenas meia hora para comer enquanto esperava por Sala, o futebolista teve de aguardar quase três meses pelo certificado internacional e consequente inscrição, mas acabou por realizar apenas um jogo. Suficiente para mostrar serviço. "Esteve a treinar connosco durante três meses enquanto chegava o certificado internacional, depois inscrevemo-lo, fizemos um jogo de apresentação com um clube vizinho, o Gafetense, e ele marcou dois golos. Ele destacava-se nos treinos", narrou o presidente do FC Crato.
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No entanto, quando se pensava que a equipa tinha mais uma arma para lutar pela subida à já extinta III Divisão, a quadra natalícia trouxe uma surpresa desagradável. "Eles os três foram à Argentina, mas só voltaram os outros dois, que justificaram a ausência dele com a namorada. Depois perdemos-lhe o rasto", lembrou o líder do emblema alentejano. "Mais tarde vimos que foi para França, da III Divisão para o Bordéus e do Bordéus para o Nantes. Fomos acompanhando-o através das redes sociais", acrescentou.

© REUTERS/Stephane Mahe
Contratação mais cara do Cardiff
No Nantes, o argentino virou uma das figuras de um campeonato dominado pelo Paris Saint-Germain. Mas logo a seguir ao trio parisiense composto por Mbappé, Neymar e Cavani, e a Nicolas Pépé, do Lille, era o melhor marcador da liga francesa. Já tinha mostrado serviço há duas épocas, sob a orientação de Sérgio Conceição e com a companhia de Sérgio Oliveira no plantel, e na temporada passada, mas era agora que estava definitivamente a explodir.
Os bons desempenhos fizeram dele um dos avançados mais procurados da janela de inverno do mercado de transferências e acabou por ser o Cardiff a pagar 17 milhões de euros pelos préstimos de Sala, fazendo dele o reforço mais caro da história do clube através de um negócio oficializado no sábado. Entretanto, o FC Crato, atual 3.º classificado nos distritais de Portalegre, começou a movimentar-se no sentido de receber uma pequena percentagem desse valor relativa a direitos de formação. "Ontem à tarde reunimo-nos com advogados e tínhamos reunião agendada para hoje. O que vimos é que cada ano de formação dá direito a 0,10 % da transferência, ou seja, rondava os 17 mil euros. Devia ser isso. Estávamos a fazer diligências, mas hoje acordámos com esta notícia...", lamenta José Curado, que esperava utilizar essa verba para estabilizar as "continhas" e desenvolver as camadas jovens do clube.
"Estou a acompanhar esta situação com tristeza, passados estes anos todos", confessou o presidente do clube alentejano, que ainda assim não perde a esperança: "A esperança é a última a morrer. Temos o exemplo do que está a acontecer em Málaga: o miúdo está num poço há vários dias e as pessoas esperam tirá-lo de lá com vida. Até aparecerem os corpos..."
Homem tranquilo e de família
Numa recente entrevista ao jornal argentino Olé, republicada nesta terça-feira, Emiliano Sala falou um pouco da sua vida, admitindo ter saudades do seu país e apresentando-se como "um homem tranquilo e de família". "Sou muito caseiro. Uma pessoa que no dia a dia gosta de focar-se nos treinos e que se sacrifica. Depois quando deixo o estádio tento abstrair-me do futebol. Gosto de fazer outro tipo de coisas para relaxar a mente. O que mais gosto é de ler, policiais ou dramas. Parece que entro na trama do livro e fico focado naquilo. Nos tempos livres também gosto de dar um passeio pelo centro de Nantes e beber um mate. Ou então ir ver um jogo de andebol, um desporto popular aqui. Tenho um amigo que joga", referiu.
"Vim muito novo para a Europa, mas as minhas raízes estão na Argentina. Adoro regressar ao meu país, fazer churrascos com os amigos, falar com eles e, claro, beber mate. São hábitos que estranho não ter na Europa, apesar de já estar adaptado", acrescentou.
Confessando ser adepto do Independiente, Sala não colocou de parte um dia voltar ao futebol argentino, onde nunca teve a oportunidade de atuar pois veio para a Europa ainda adolescente. "Estou muito cómodo e adaptado à Europa, mas ao mesmo tempo por vezes penso nisso [jogar na Argentina] e parece que tenho uma dívida pendente. Há momento em que penso que gostava de um dia jogar no campeonato argentino, um desejo que tenho desde criança. Gostava de jogar no Independiente."