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Desportos
11 setembro 2019 às 19h59

Famalicão. Do campeonato distrital a líder isolado da I Liga em apenas onze anos

Os minhotos são a grande sensação do início da época. Construíram um projeto de raiz e até já sonham com a Europa.

Carlos Nogueira

O Famalicão é a equipa do momento no futebol português. 25 anos depois da última presença na I Liga, o clube minhoto chega ao final da quarta jornada na liderança isolada do campeonato, justificando a frase "o começo de um novo futuro" que está inscrita na placa de inauguração da academia que há pouco mais de um ano serve os escalões de formação dos famalicenses.

Quando a 22 de maio de 1994 o Famalicão perdeu em Alvalade com o Sporting (3-0) e viu sentenciada a descida à II Divisão, entrou num longo período de crise financeira e desportiva que o levou, em 2008, a baixar ao campeonato distrital de Braga. Um pesadelo que, segundo Paulo Cunha, presidente da Câmara de Famalicão, "só foi possível ultrapassar devido à união das forças da cidade".

O caminho foi difícil, mas em maio de 2015 os apaixonados adeptos do Famalicão estavam a festejar o regresso aos escalões profissionais pela porta da II Liga, onde após três épocas com alguns sobressaltos nasceu uma nova esperança com a criação da SAD e, sobretudo, com a entrada no capital social do milionário israelita Idan Ofer, que passou a deter 51% da sociedade através da empresa Quantum Pacific Group. Um processo conduzido pelo empresário Jorge Mendes, que indicou a Ofer a possibilidade de se tornar acionista maioritário do Famalicão, algo que o autarca elogia: "Foi muito bom ter havido a capacidade de atrair um investidor externo que acreditou num projeto importante para o desenvolvimento da cidade."

Acionista entre os mais ricos do mundo

Mas quem é Idan Ofer? Trata-se de um dos homens mais ricos de Israel e do mundo, detentor de uma fortuna avaliada em 4,1 mil milhões de euros, de acordo com a Forbes. Está ligado à prospeção de petróleo e extração mineira, e opera ainda como armador de petroleiros e na construção de carros elétricos.

Nasceu em Haifa, há 64 anos, numa das famílias mais ricas e influentes de Israel, tendo estudado em Londres, onde atualmente reside. Ao longo da sua vida desempenhou um papel importante nos negócios conduzidos pelo pai, mas a morte de Sammy Ofer em 2011 obrigou a que Idan e o seu irmão Eyal fossem envolvidos num invulgar processo de partilhas dos bens... por sorteio. Com a supervisão da mãe Aviva, os irmãos tiraram de um chapéu um envelope cada um e ficaram a saber o que lhes cabia em herança. Assim foram divididos, em dois lotes, centenas de petroleiros e outras embarcações, bem como várias obras de arte de Picasso e Van Gogh. "Fizemos tudo de forma amigável", disse em entrevista à Bloomberg.

Idan Ofer é apaixonado por arte e ao longo da sua vida tem-se dedicado ainda a variadas ações solidárias, tendo uma delas dado que falar, pois numa gala solidária organizada pela sua mulher pagou 600 mil euros por uma réplica da Bola de Ouro que Cristiano Ronaldo ganhou em 2013. A verba reverteu para crianças gravemente doentes em Israel e na Grã-Bretanha. Através dos seus negócios tem tentado também ajudar no processo de paz entre israelitas e palestinianos.

A sua entrada no futebol acontece em novembro de 2017, quando decidiu adquirir 32% do capital social da SAD do Atlético de Madrid, uma operação que o tornou um dos acionistas de referência dos colchoneros. A entrada no clube espanhol foi orientada apenas pelo negócio e não por um capricho milionário. E foi nessa base que avançou para a aquisição de 51% da SAD do Famalicão, tendo esta quarta-feira exercido a opção para a aquisição de mais 34%, passando assim a deter 85% da sociedade minhota.

Academia, estádio e profissionalização

Ainda antes da entrada do novo acionista, o Famalicão inaugurou a 2 de junho de 2018 a sua academia destinada à formação de futebolistas, na Freguesia de Esmeriz, que conta atualmente com mais de 300 jovens. Estas instalações que pertencem ao clube, mas que tiveram um significativo investimento do município, custaram 1,8 milhões de euros e dispõem de três relvados sintéticos, uma residência e uma série de valências que lhe valeram a certificação por parte da Federação Portuguesa de Futebol. "Quisemos primeiro criar os alicerces para chegar ao patamar em que nos encontramos, e o primeiro passo foi criar condições para a formação desportiva dos jovens de Famalicão", assumiu Paulo Cunha ao DN. Este equipamento foi também uma forma de o Famalicão marcar o seu território numa região onde os vizinhos Sp. Braga e V. Guimarães são as grandes potências na área da formação de jogadores.

Menos de um mês depois da inauguração da academia foi anunciada a entrada de Idan Ofer na SAD. A equipa preparava-se para começar a quarta temporada consecutiva na II Liga quando iniciou um processo de transformação profunda. Miguel Ribeiro, até então diretor-geral do Rio Ave, foi convidado por Jorge Mendes e Idan Ofer para integrar o projeto do Famalicão, tendo agora sido nomeado presidente da sociedade. O primeiro objetivo montar uma estrutura e uma equipa de I Liga para disputar a II Liga. A meta era voltar ao escalão principal.

Numa entrevista recente à TSF, Miguel Ribeiro explicou que na sua primeira semana de trabalho "o Famalicão montou um departamento de saúde; criou departamentos de comunicação e marketing ; um departamento de futebol e um departamento financeiro". Na prática, assumiu, "na primeira semana o Famalicão ficou um clube de primeira".

Certo é que no final da época passada o objetivo de subida ao principal escalão acabou por ser concretizado, estando agora em marcha outro projeto que promete impulsionar o clube para outros patamares. Trata-se da construção de um novo estádio no local onde está o atual Municipal 22 de Junho, que terá duas bancadas centrais cobertas com capacidade para sete mil pessoas. A obra estará a cargo da Câmara Municipal de Famalicão, proprietária do recinto, que vai investir oito milhões de euros. "O estádio é o culminar de todo este processo porque entendemos que é altura de, sem loucuras financeiras, dar uma casa nova ao FC Famalicão, que estará pronta dentro de dois anos e que irá dar conforto a todos aqueles que queiram assistir aos jogos", frisou o presidente da autarquia.

Plantel jovem com Europa no horizonte

O que está planeado pela SAD é que a principal fonte de receita do Famalicão seja a venda de jogadores, daí que o plantel construído para a I Liga seja composto por jogadores jovens, a grande maioria abaixo dos 25 anos, vindos de clubes importantes no panorama europeu, a maioria dos quais com ligações próximas a Jorge Mendes, que chegaram a custo zero ou por empréstimo. Atlético de Madrid, Wolverhampton, Valência, Stoke City e West Ham, além de Benfica, FC Porto, Sp. Braga e V. Guimarães são algumas das fontes de recrutamento dos famalicenses para esta época. Na prática, o Famalicão construiu um plantel novo, pois só quatro atletas transitaram da época anterior.

O treinador escolhido para liderar este projeto foi João Pedro Sousa, ex-adjunto de Marco Silva, de 48 anos, que iniciou agora a primeira experiência como técnico principal. E, para já, as coisas não poderiam estar a correr melhor: a equipa lidera a I Liga, com três vitórias e um empate, facto que apaga a precoce eliminação da Taça da Liga diante do Covilhã.

O otimismo reinante é tão grande que a SAD vai pedir o licenciamento da equipa para as provas europeias do próximo ano, embora a presença nas competições da UEFA seja um objetivo a médio prazo. "Não escondemos que partilhamos essa ambição de sermos um município protagonista no futebol, tal como somos noutras áreas da sociedade. Como tal vemos com bons olhos a entrada do clube na Europa do futebol", frisou Paulo Cunha.