Cerimónia de abertura sóbria lança capital chinesa para a história
Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim arrancaram hoje oficialmente marcados por um boicote diplomático devido ao desrespeito pelos direitos humanos na China e em contexto de pandemia.
Uma comedida cerimónia de abertura de Pequim2022 - comparativamente a 2008 -, que contou com Ricardo Brancal, Vanina Oliveira e José Cabeça, fez esta sexta-feira da capital chinesa a primeira cidade a receber os Jogos Olímpicos de inverno e verão.
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Celebrada no estádio nacional de Pequim, batizado de ninho de pássaro e construído especificamente para os Jogos Olímpicos de Verão, em 2008, a cerimónia foi aberta pelo presidente chinês, Xi Jinping, e ficará marcada pelo boicote diplomático de vários países, motivado pelo desrespeito pelos direitos humanos na China.
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"Declaro abertos os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim2022", disse Xi Jinping, convidado pelo presidente do Comité Olímpico Internacional (COI), o alemão Thomas Bach, já depois de também ter discursado o presidente do comité organizador, Cai Qi.
Tal como sucedeu há 14 anos, o espetáculo foi concebido pelo realizador chinês Zhang Yimou e interpretado por cerca de 3.000 figurantes, um número muito inferior às 14.000 pessoas que participaram em 2008, devido à pandemia de covid-19 e às baixas temperaturas (-6º Celsius).
Yimou procurou mostrar uma China jovem, moderna e diversificada, apresentando os 56 grupos étnicos do país, durante a chegada - muito marcial - da bandeira chinesa, antes de a chama olímpica iluminar a noite cerrada de Pequim.
Os atletas chineses Zhao Jiamen e Dinigeer Yilamujiang foram os últimos portadores da chama olímpica, depositando-a numa estrutura que representava um floco de neve e que se erguia acima das bancadas. Brilhará até à cerimónia de encerramento, em 20 de fevereiro.
Como manda a tradição olímpica, a Grécia foi a primeira das 91 delegações a desfilar no estádio nacional de Pequim, cabendo à numerosa representação do país anfitrião entrar na pista de atletismo do ninho de pássaro, com as restantes a respeitarem a ordem do alfabeto chinês.
O evento foi alvo de um boicote diplomático e político de vários países, entre os quais Portugal, recomendado, inclusive pelo Parlamento Europeu, provocado por violações dos direitos humanos na China, em particular sobre a minoria uigur, mas também o tratamento aos tibetanos e a repressão de liberdades em Hong Kong.
"Vocês, os atletas olímpicos, mostrarão como o mundo seria se respeitássemos as mesmas regras e uns aos outros. No nosso mundo frágil, onde grassa a divisão, o conflito e a desconfiança, mostraremos que é possível sermos ferozes rivais e, ao mesmo tempo, viver em paz e de forma respeitosa", assinalou o presidente do COI.
António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas, e Vladimir Putin, Presidente da Rússia, foram duas das personalidades que assistiram a uma cerimónia mais curta do que em edições anteriores e com a presença de reduzido público, limitado a um terço da lotação do estádio.
Os porta-estandartes de Portugal, a 72.ª delegação a entrar no recinto, foram os atletas de esqui alpino Ricardo Brancal, de 25 anos, e Vanina Oliveira, de 19 anos, estreantes em Jogos Olímpicos, tal como sucede com José Cabeça, praticante de esqui de fundo, que completa a equipa lusa.
A cerimónia de abertura de Pequim2022 foi a primeira nos Jogos Olímpicos de Inverno a contar com dois porta-estandartes, um homem e uma mulher, para assinalar uma competição organizada "sob o signo da igualdade de género", como já tinha acontecido nos Jogos Olímpicos de Verão Tóquio2020.
A XXIV edição dos Jogos Olímpicos de Inverno, que termina em 20 de fevereiro, conta com a participação de quase 2.900 atletas (1.581 masculinos e 1.290 femininas), em 109 eventos, entre 15 disciplinas de sete desportos diferentes.
Com 91 países presentes, incluindo as estreantes Arábia Saudita e Haiti, a competição vai dividir-se entre três áreas principais, estendendo-se, além de Pequim, às cidades de Yanqing e Zhangjiakou.
Jogos marcados por boicotes diplomáticos e pela pandemia
O evento arrancou nesta sexta-feira com os olhos postos nos abusos dos direitos humanos, em particular devido à minoria uighur, na China, que recebe a primeira competição de inverno, mas já os segundos Jogos no século XXI, depois de Pequim2008.
A perseguição à população uighur em Xinjiang, que os norte-americanos já qualificaram de genocídio, o tratamento dos tibetanos e a repressão de liberdades em Hong Kong são vários dos focos políticos de uma prova que, ainda antes de começar, está já envolta em polémica.
Estados Unidos e Reino Unido foram os mais proeminentes a anunciar um boicote diplomático, sem presença de qualquer representante nos Jogos, em particular nas cerimónias, a não ser a presença desportiva, e a estes seguiram-se muitos outros.
Canadá e a Austrália, entre outros, seguiram-se na medida de retirar a presença diplomática e política, sem prejudicar a participação dos atletas desses países, e em 19 de janeiro o Parlamento Europeu também recomendou aos Estados-membros um "boicote diplomático e político".
Também Portugal não terá representação política nas cerimónias de abertura e encerramento, "por várias razões", explicou em 24 de janeiro o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.
Desde "o momento político que se vive em Portugal" ao "sentido de unidade próprio da União Europeia" nas atuais "circunstâncias", admitindo também o peso que tem o facto de os Jogos Olímpicos de Inverno não serem, "do ponto de vista desportivo, 'o alfa e o ómega' do desporto nacional".
As críticas à realização do evento não pararam por aí, dado que o desaparecimento da tenista Peng Shuai, que acusou um antigo governante de a violar, trouxe à baila a proximidade do Comité Olímpico Internacional (COI) ao Governo chinês.
O presidente, Thomas Bach, conversou por via telemática com Shuai, mas ativistas e associações humanitárias criticaram a forma 'velada' como a desportista pareceu regressar a uma vida normal, ainda que em reclusão, e como o assunto não trouxe quaisquer repercussões fora do circuito mundial de ténis.
Enquanto robôs servem gelado às comitivas nos dias que antecedem as provas, e um destes autómatos está já preparado para ser o primeiro a participar no revezamento da tocha olímpica, também os ambientalistas criticam a pegada ecológica de Pequim, uma cidade altamente poluída.
Quanto à covid-19, a pandemia volta a ensombrar uns Jogos Olímpicos, depois de Tóquio2020, no verão passado, no país onde foram registados os primeiros casos e onde, no último domingo, a capital registou o maior número de novos positivos em 18 meses.
Mais elevada do que em Pequim, a braços há muito com medidas muito restritivas para controlo pandémico, está a 'bolha' olímpica, que tem tido, em média, 32 casos diários, sobretudo entre atletas e equipas técnicas, preocupando a organização.
Do lado do público, que esteve arredado de Tóquio2020, a expectativa do COI é que os recintos possam ter entre 30 a 50% da capacidade ocupada com convites, para compensar a decisão de desistir da venda de bilhetes ao público.
Entre convidados locais e expatriados, Pequim2022 terá algum público entre a capital, Zhangjiakou e Yanqing, nuns Jogos em que as apertadas regras sanitárias terão de ser cumpridas para evitar a ativação dos planos de contingência competitivos, entre a 'repescagem' de atletas para finais ou atribuições múltiplas de medalhas se não puderem ser disputadas.
De resto, a forma como a covid-19 tem sido gerida por Pequim levanta também dúvidas quanto à espionagem, e possível fuga de dados através do acesso a telemóveis dos atletas, para controlo sanitário, e repressão dos locais durante uma prova que se quer focada apenas no fenómeno desportivo.
Os Jogos Olímpicos de Inverno Pequim2022 realizam-se entre esta sexta-feira a 20 de fevereiro, com a participação de quase 2.900 atletas, entre eles três portugueses: Ricardo Brancal e Vanina de Oliveira Guerillot, no esqui alpino, e José Cabeça, no esqui de fundo.