"Jogadores do Sporting têm de trabalhar mais do que os outros para chegarem à seleção"

Irónico e polémico como sempre, o dirigente lança indiretas à recente chamada do jovem benfiquista Renato Sanches à seleção nacional. Reafirma que o Benfica tem sido beneficiado pelas arbitragens, atira-se ao presidente dos árbitros e desfaz-se em elogios ao treinador Jorge Jesus

Em fevereiro foi internado num hospital do Funchal com suspeitas de AVC. Em algum momento os médicos o aconselharam a deixar de se sentar no banco do Sporting?

Pensei que isso tivesse sido um recado para me mandarem embora [risos]. Não, fiquei uns dias na Madeira porque não me aconselhavam a voar, até disse a brincar que se era por isso ia de barco. Existiu de facto um conselho dos médicos nos dias a seguir, para não viver grandes emoções. Nos dias de jogos ia ao estádio, participava no ritual antes de a equipa entrar em campo, e depois ia dar umas voltas de carro por Lisboa. Ia até ao CCB, mas quando o jogo terminava estava em Alvalade.

Mas apanhou um susto...

Senti a tensão muito alta, mas devo dizer que fiquei logo melhor quando ainda ouvi o golo do Slimani [frente ao Nacional] ainda no estádio. Liguei à minha família a informá-los do que se estava a passar. Fui muito bem tratado e no dia a seguir tinha a minha família ao meu lado.

Vamos então falar do Sporting e de como depois de 15 anos afastado resolveu voltar ao futebol. Porquê?

Fui convidado por Jorge Jesus e pelo presidente Bruno de Carvalho para integrar um projeto aliciante. E aceitei. Em primeiro lugar pelo Jesus, um amigo, de quem fui colega de equipa no V. Setúbal e que sempre acompanhei. E depois pelo Sporting, clube onde tinha vivido uma grande paixão em 1996 e saí por minha vontade, porque não estava preparado para lutas internas. Foi talvez o maior erro da minha carreira. Hoje não o teria feito. E digo sem problemas que o Sporting tinha ganho muito mais se eu tivesse ficado. Quis remediar o erro que cometi.

Já disse que outro motivo foi porque sentiu que Jesus foi injustiçado pelo Benfica...

Sim. Não gostei da forma como trataram o Jorge Jesus.

Quem foi injusto com Jesus?

O Jorge Jesus devia ter sido elogiado por tudo o que fez pelo Benfica. Mas as pessoas não compreenderam que ele tivesse feito a sua opção por dois motivos: a paixão pelo Sporting e o lado familiar. Houve quem não aceitasse que ele tivesse abdicado de bens materiais por coisas sagradas como a família. E depois começou a campanha das mentiras, como os sms enviados aos jogadores do Benfica. Seguiram-se os processos em tribunal, os seus pertences em sacos de plástico no lixo... foi tudo uma campanha da comunicação trafulha, mentirosa, só para criar mau ambiente ao treinador em Alvalade.

Que opinião tem de Bruno de Carvalho?

É um presidente que os adversários criticam por medo e que tem a coragem de defender o Sporting pondo em causa a sua própria imagem. E eu sei o que isso é! O Sporting deixou de ser um clube simpático, que não incomodava. Hoje tem um treinador que incomoda, um presidente que não deixa ninguém indiferente e a equipa que melhor futebol pratica em Portugal.

Sente-se feliz nas suas funções?

Sim, bastante. Encontrei no Sporting material humano, gente de grande capacidade. E depois é um privilégio ver estes meninos crescerem todos os dias. Chamo-lhes meninos porque podia ser pai deles. É gratificante ver como crescem e aprendem com Jesus. Eles próprios o reconhecem. Muitos chegaram agora à seleção nacional. E estão lá por mérito próprio, à custa de muito trabalho. Alguns até se interrogam como é que há outros que chegam lá tão depressa. Aqui no Sporting não se fazem apelos para que se valorize este ou aquele jogador para chegar à equipa nacional. Mas às vezes parece que alguns estão a pedir algo ao selecionador nacional, já chegámos a este ponto. À seleção tem de se chegar por mérito, e não a queimar etapas.

Está a falar de Renato Sanches, do Benfica, que foi chamado com 18 anos para os últimos particulares?

Estou. O Renato é um jogador com potencialidades, como outros há dez anos e que nunca foram chamados. Desculpem-me o que vou dizer, mas comparar o Renato Sanches com o João Mário é qualquer coisa que não pode ser comparável.

Ao falar em apelos está a dizer que Fernando Santos se deixa influenciar nas convocatórias?

Estou a dizer que é preciso ter muito cuidado. Tenho confiança no Fernando Santos, mas a realidade é que os jogadores do Sporting têm de trabalhar mais do que outros para chegarem à seleção. Uns são chamados depressa demais, basta três ou quatro jogos. Mas, por vezes, tal como aparecem, desaparecem. O Cristiano Ronaldo foi secundarizado pelo Renato Sanches na seleção. O maior embaixador do futebol português foi ultrapassado em termos de popularidade com aquela cena da entrada em campo de um adepto em Leiria no jogo com a Bulgária a abraçar o Renato. Onde nós já chegámos... a seleção é um espaço onde não pode haver dúvidas e onde só podem estar os melhores.

Mas o Sporting tem vários jogadores na seleção...

Sim, mas ainda se discute onde está a melhor formação. Alguém tem dúvidas? Olhamos para a seleção e temos sete jogadores formados no clube, nas seleções sub-21 e Olímpica são aí uns 15 ou 16. E isto não é de agora, basta lembrar os exemplos de Ronaldo, Figo, Simão ou Futre. Têm sido feitas campanhas de intoxicação para esconder esta verdade.

Esteve 15 anos afastado do futebol. Quais foram as maiores diferenças que encontrou?

A comunicação política que é feita por alguns clubes. É mau para o futebol a introdução dessas estratégias trazidas da política. Cria um ambiente hostil entre todos. Esses comunicadores estão a contribuir para o lado mau do futebol.

Mas o Sporting também faz essa "propaganda". O presidente Bruno de Carvalho é muito interventivo e crítico nas redes sociais...

Não, o Sporting não faz isso. A comunicação do Benfica, por exemplo, sobrepõe-se ao treinador, essa é a grande diferença para o Sporting. Sobrepõe-se até ao próprio presidente, algo que aqui não existe. Até os títulos do Benfica era a comunicação do clube que os ganhava, passam os treinadores para segundo plano. Recentemente houve um exemplo concreto, quando o Jesus tomou uma posição pública e reprimiu o Slimani por não ter gostado de ter sido substituído. A posição no Facebook do Benfica foi que lá eram os jogadores que mandavam. Fiquei estupefacto! Tenho muito respeito pelos jogadores, mas serem eles a mandar, isso é passar o treinador para segundo ou terceiro plano. Qualquer dia é o Luisão que é o mais importante, mesmo não estando a jogar.

Acha mesmo que a comunicação do Benfica em certos assuntos manda mais do que o presidente?

Toda a estratégia passa por aí.

Por vezes dá ideia de que existe uma obsessão do Sporting em relação ao Benfica. Porquê tantas críticas?

Não existe obsessão nenhuma, mas há coisas que eu sei. Por exemplo, o presidente do Sporting colocou o problema da introdução das novas tecnologias. E quem foram as vozes contra? O presidente do Sporting propôs o sorteio dos árbitros e foi aprovado em AG da Liga pela maioria dos clubes, porque não tinham confiança nos nomeadores. Se a isto juntarmos as vezes que Fernando Gomes [presidente da Federação] foi chamado para intervir na conflitualidade entre Vítor Pereira [presidente do Conselho de Arbitragem] e os árbitros, as vezes que Fontelas Gomes [pres. da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol] dirimiu esses conflitos, se tivermos em conta que o novo projeto de avaliação de Vítor Pereira foi contestado pelos árbitros que entregaram os testes em branco... Ainda na última terça-feira foram marcadas provas físicas para os árbitros e dez árbitros e 14 assistentes não as fizeram.

Está a dizer que os árbitros estão contra Vítor Pereira?

Não tenho dúvidas nenhumas.

O Benfica tem sido beneficiado e o Sporting prejudicado pelas arbitragens, como várias vezes deram a entender?

Se calhar no último Sporting-Benfica [0-1] não houve uma superioridade tão evidente de uma equipa sobre a outra e o Sporting perdeu. Há coisas, pequenos pormenores, que influenciam. Quem começou a contestação aos principais árbitros internacionais?

Quem?

O Benfica. Quem é que falou em roubos? Não foi o Sporting. Quem é que disse que não queria ser comido de cebolada? Não foi o Sporting. Há pequenos pormenores. Veja-se o V. Guimarães-Benfica. Superioridade evidente do V. Guimarães, mas o Benfica ganhou. Mas se calhar não devia ter ganho. Houve influências exteriores. O Sporting, por exemplo, foi a Guimarães, dominou, mas só fez um ponto. No Sporting-Benfica, outro exemplo. A entrada do Renato Sanches sobre o Ruiz era expulsão direta, com punição de dois, três jogos, mas levou um amarelo, cumpriu um jogo por acumulação e ficou livre. O Adrien estava no banco, manifestou-se e foi expulso. São estes pormenores que se repetem muitas vezes e adulteram a verdade desportiva. E podia dar mais exemplos!

Em sua opinião, então, o Benfica é líder do campeonato por ser beneficiado pelas arbitragens?

Alguém tem dúvidas? Neste ano em 27 jornadas não foram marcados penáltis contra o Benfica. E existiram. E já foi algum jogador do Benfica expulso por duplo amarelo ou diretamente nesta temporada? Ainda não. Ficamos todos com a sensação de que os árbitros têm dificuldades contra o Benfica.

Mas erram deliberadamente a favor do Benfica, é isso que está a querer dizer?

Não penso que seja isso, até porque tenho respeito por eles, falo muito com eles. Mas, quando há um árbitro que me diz que está cansado, isso significa alguma coisa.

Quem é esse árbitro?

Não vou dizer. É um árbitro muito experiente. Não é estranho afastarem-se muitos árbitros internacionais de uma vez e dos mais qualificados? A arbitragem sempre foi e será tema de discussão. Não é possível acertar a 100%. Agora têm acontecido coisas que nos obrigam a pensar. Acredito neles todos, mas como pode um árbitro [Marco Ferreira] ter dito que o Vítor Pereira lhe telefonava antes dos jogos do Benfica e isso não ser investigado?

Voltemos ao Sporting. Se não for campeão neste ano é um fracasso?

Nós queremos ser campeões e vamos trabalhar para isso. Mas sabemos que temos de ser muito mais fortes do que os nossos adversários. E sabemos que tem sido determinante o apoio, o envolvimento dos sportinguistas, que recuperaram a sua paixão, autoestima, os valores mais sagrados. E eles também acreditam. E vão estar no Restelo em peso como têm estado em todo o lado. Mas atenção: há três candidatos! O FC Porto também está na luta, não é só o Benfica e o Sporting. Mas vamos estar atentos.

Surgiram notícias sobre uma alegada tensão na relação entre o presidente Bruno Carvalho e Jorge Jesus. Isto é verdade?

Dá-me vontade de rir. Sabe... quando aceitei vir para o Sporting havia quem já antecipasse problemas, que seria uma mistura explosiva. Mas posso garantir que a cada dia que passa a cumplicidade que existe é maior. Com o tempo, em vez de desgaste, há um fortalecimento. Faziam-se apostas para quando a bomba ia detonar, mas perderam a aposta feita através da comunicação trafulha.

Vamos falar do caso Carrillo. O Sporting fez tudo para segurar o jogador?

Se uma pessoa não quer um determinado destino, não vale a pena. Recentemente no Sporting vários jogadores importantes renovaram de forma pacífica porque sentem o clube, e isso até trouxe mais tranquilidade à equipa.

Acha que durante a negociação com o Sporting o Carrillo já estava comprometido com o Benfica?

Ele podia não estar, mas alguém estava. E esse alguém não o deixou firmar os compromissos com o Sporting. Houve alguém que fez que o Carrillo não ficasse no Sporting. O empresário? Não conheço, nunca falei com ele.

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