Seleção faz história. O que elas (e a FPF) andaram para chegar ao Mundial 2023

Um golo de penálti de Carole Costa colocou Portugal no Campeonato do Mundo que se realiza no verão na Austrália e Nova Zelândia. Fernando Gomes promete continuar a investir. Selecionador Francisco Neto utilizou 28 jogadoras na qualificação.

A seleção feminina de futebol fez história ao apurar-se pela primeira vez para um Mundial, um feito notável tendo em conta que a modalidade ainda é amadora, mas já com muitas atletas profissionais. Um triunfo sobre os Camarões (2-1), com um golo de Carole Costa aos 90+4 minutos, de grande penalidade, colocou as portuguesas na fase final que se realiza na Austrália e Nova Zelândia, entre julho e agosto.

A missão não será fácil. O sorteio já tinha ditado, que, caso se apurasse, a equipa liderada por Francisco Neto iria integrar o grupo E das vice-campeãs mundiais dos Países Baixos (jogo a 23 de julho), do Vietname (27 de julho) e das bicampeãs em título dos Estados Unidos (1 de agosto). Mas para já, e ao fim de 13 jogos de apuramento, o grande objetivo foi alcançado.

Presente em todas as fases de qualificação para Mundiais, a seleção tinha dois terceiros lugares nos respetivos grupos de apuramento para Mundiais (2011 e 2019) como melhor desempenho. Performance agora superada pela qualificação para o Mundial 2023, depois de ter ficado em segundo lugar no grupo de apuramento e superado dois playoffs.

Longe vai o tempo em que um grupo de jogadoras se reuniu para jogar com uma seleção francesa em 1981 (0-0), antes de Portugal ser convidado a entrar na qualificação para o primeiro Europeu feminino da história em 1984. O apuramento terminou sem glória (dois empates e quatro derrotas) e a seleção ficou em banho maria mais de dez anos, voltando para a qualificação do Euro 1995.

Depois foi preciso esperar mais uma década para Portugal se apurar e jogar uma fase final de uma grande prova pela primeira vez - o Euro 2017. Presença repetida no Euro 2022 e agora pela primeira vez na história para um Mundial.

"Concretizou um sonho de mais de três décadas e colocou Portugal na única fase final que lhe faltava disputar em 108 anos de história", enalteceu ontem o presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Fernando Gomes, lembrando que "será o início de um caminho ainda mais ambicioso para o futebol português e para todas as meninas e mulheres que queiram jogar futebol de alta competição em Portugal".

Golo histórico aos 90+4 minutos

Frente aos Camarões, Diana Gomes inaugurou o marcador aos 22 minutos, a concluir uma boa jogada coletiva, mas a falta de eficácia portuguesa (aquele cabeceamento de Kika Nazareth à trave é um exemplo disso), manteve vivo o sonho das camaronesas, que, apesar de quase nunca terem criado perigo, acabaram por chegar ao empate por Ajara Nchout, aos 89". E foi de penálti aos 90"+4" que o triunfo chegou. Carole Costa fez o 2-1 e selou o apuramento de Portugal. No momento do tudo ou nada ela sentiu o peso da história e não vacilou.

A defesa central do Benfica é uma das mais experientes da seleção. É internacional desde 2006 e a segunda com mais jogos de sempre, depois de Ana Borges. Representou Portugal por 151 vezes e ostenta o título de defesa com mais golos ao serviço das quinas (18 desde 2006, ano da primeira chamada à seleção). Os primeiros pontapés na bola foram dados na rua, com os primos e os amigos, antes de se juntar à equipa de futsal Os Marretinhas (Braga, onde nasceu a 3 de maio de 1990).

Depois passou para o futebol. Jogou pela Casa do Povo de Martim, Leixões, SGS Essen, FCR Duisburg, MSV Duisburg, BV Cloppenburg e Sporting. Fez história ao mudar-se de Alvalade para a Luz, onde foi bicampeã nacional para o Benfica e com esse dado muito relevante de ter sido eleita a melhor jogadora do campeonato do ano passado (2021-22). "É o dia mais feliz das nossas vidas. Ainda nem consegui chorar, ainda não caiu a ficha. Estamos tão felizes que agora só queremos festejar com este grupo enorme, que batalhou muito para estar no Campeonato do Mundo. E é isso que nós mais queremos, é estar lá", disse a jogadora, após marcar o golo mais importante da vida dela e do futebol feminino português.

Grande investimento da FPF desde 2015

A aposta no futebol feminino é para continuar. Desde que esta direção da FPF entrou em funções, o investimento na modalidade superou os 50 milhões de euros (inclui o futsal e o futebol de praia), sendo que o orçamento atual das seleções femininas é de 6,5 milhões de euros.

Depois de alguns anos a lançar as bases do projeto, em 2015 entrou em ação a estratégia de desenvolvimento da modalidade, com a criação da Liga BPI, resultante de uma restruturação dos quadros competitivos e a entrada em cena de clubes como o Sporting, Sp. Braga e mais tarde o Benfica, que permitiu o regresso de algumas das melhores jogadoras ao campeonato português, que passou a ter mais atletas profissionais.

A inegável evolução deu-se não só ao nível do futebol praticado e no aumento do número de jogadoras federadas - ano de 2022 bateu bateu recordes com 9200 atletas inscritas nos vários campeonatos, desde os sub-7 aos seniores -, como na qualificação dos treinadores e das estruturas e da criação de centros de treino a nível regional, apoios financeiros a clubes e associações distritais, a criação de seleções desde os sub-15 e novas competições no escalão sénior (primeiro a Supertaça, depois a Taça da Liga). E isso refletiu-se no desempenho da seleção principal.

Portugal tem hoje um grupo alargado de jogadoras de elevada qualidade - foram utilizadas 28 jogadoras no apuramento -, onde a experiência das capitãs Dolores Silva e Ana Borges (a mais internacional de sempre com 153 jogos) se mistura com a solidez de Ana Capeta, Carole Costa (autora do golo que ditou a vitória sobre os Camarões e respetiva presença no Mundial 2023), Andreia Norton, Carolina Mendes, Diana Silva, e o talento e irreverência de jovens como Kika Nazareth, uma das dez melhores jogadoras sub-21.

Há ainda Jéssica Silva, Andreia Norton, Lúcia Alves, Ana Seiça, Rute Costa, Andreia Faria, Catarina Amado, Ana Seiça, Joana Marchão, Sílvia Rebelo, Ana Rute, Fátima Pinto, Diana Gomes (marcou o primeiro golo frente aos Camarões), Andreia Jacinto, Tatiana Pinto.

Portugal é atualmente a 22.ª seleção do ranking da FIFA (a 14.ª na lista da UEFA). É a melhor posição de sempre fruto de uma quase imaculada qualificação para o Mundial 2023. A equipa das quinas ficou no segundo lugar do grupo H, só atrás da campeã europeia e mundial, a Alemanha, e à frente de equipas como Sérvia, Turquia, Israel e Bulgária.

Relegada para o playoff, superou a Bélgica (2-1) e a Islândia (4-1). Foram precisos 13 jogos e dez vitórias até chegar ao playoff intercontinental final, frente aos Camarões. Tirando um empate com a Turquia a abrir o apuramento e duas derrotas com a Alemanha, as portuguesas venceram todos os jogos.

Francisco Neto é o líder há nove anos

Francisco Neto é selecionador nacional desde 2014. Entrou como treinador de guarda-redes, mas acabou a liderar a seleção em três inéditos apuramentos (Euro 2017, Euro 2022 e Mundial 2023).

Chegou a jogar no clube da terra Natal, o Mortágua, e nos Repesenses, mas a vocação estava no treino. Começou em 2001 a treinar nas seleções base da Associação de Futebol de Viseu, e foi também lá que teve a primeira experiência no futebol feminino, quando orientou uma seleção distrital de Viseu no Torneio Interassociações.

Em 2007 tornou-se coordenador-técnico da Associação de Futebol de Viseu. E foi a partir daí que entrou na Federação e onde tem feito história. Pegou na equipa em 41.º lugar e em mais de 120 jogos subiu-a até ao 22.º: "Já não tenho palavras, elas sabem que sou o primeiro admirador delas."

isaura.almeida@dn.pt

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