JOÃO MARCELINO: Zero, zero. Sem hífen
Depois de dois anos de trabalho e um mês de estágio, a estreia absoluta de Rúben Amorim, chamado de emergência para esconder pelo menos duas mistificações (Nani e Pepe), diz muito da qualidade de planificação. Sobre a táctica falou Deco: "Ele - Queiroz - pediu-me para abrir na direita, para jogar a extremo coisa que eu não sou." Quanto a ambição explicaram outros jogadores: "Não foi nada mau não perder na estreia." A respeito de rendimento individual também é elucidativo reconhecer-se que o melhor tenha sido o de um jogador (Fábio Coentrão) de quem se não recorda um único lance de qualidade atacante - o lateral limitou-se a ser genicoso e a defender bem. A propósito do que se viu no jogo, o resumo é ainda mais fácil e está em consonância: zero, zero. Sem hífen.
Portugal jogou para não perder! A Costa de Marfim mostrou em campo que Eriksson ainda tinha mais medo de Queiroz que Queiroz dele! Foi o pior jogo do Mundial até agora. Em nenhum momento qualquer das equipas arriscou o que quer que fosse. Nem sequer nos últimos minutos. Com uma agravante para a equipa de Portugal: há uns senhores, reformados, ligados à FIFA, que insistem na tese de que neste momento temos aqui a terceira melhor equipa do mundo. Temos nada! Ou antes: temos apenas um jogador, Cristiano Ronaldo, que num remate (10 m, ao poste) pode fazer de ilusionista, disfarçar o óbvio.
A esta equipa não faltam jogadores. Estão lá os melhores disponíveis que temos, e não temos mais. Disso o treinador é praticamente inocente. Mais Simão menos Danny, mais Pepe menos Amorim, o consenso é tão evidente quanto a teimosia de Queiroz em apostar em empreitadas fora do tempo (como a recuperação do trinco que é central no Real Madrid).
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A esta equipa falta "apenas" identidade e ambição, uma ideia, um líder. Isso não vai ser resolvido nem neste campeonato do Mundo nem nos próximos dois anos. Escusamos, a partir de agora, de ter ilusões.
Estamos a falar de quê? Estamos a falar de uma equipa que, entre laterais e médios, não produz um único cruzamento desde a linha de fundo. Estamos a falar de uma equipa que pede ao seu único "10" (Deco), em final de carreira, que se faça extremo veloz. Estamos a falar de uma equipa em que os médios não partem para cima dos adversários para criar desequilíbrios nem se movimentam para aparecerem entre as linhas adversárias. Estamos a falar de uma equipa que a partir de um 4x4x2 teórico se movimenta num 4x6x0 efectivo. Estamos a falar de uma equipa que ontem jogou o futebol à maneira de uma má equipa de andebol: circulação, circulação, incapacidade de servir o pivot - portanto, remates (quase) nada. E apenas houve mais dois: um aparo de cabeça de Liedson (57) e um pontapé de longe de Meireles (78).
A selecção de futebol, que antigamente era pretexto para pôr bandeiras à janela, foi contaminada pelo estado do País: é uma coisa triste, desesperançada, à espera de um milagre. Agora vais ter de jogar tudo contra a Coreia do Norte, e nem sequer há certeza de que ao menos nesse jogo o treinador permita aos jogadores a veleidade de jogarem sem ser de forma cobarde. Foi assim que a equipa se movimentou ontem e foi por isso que os jogadores abandonaram o campo a olhar para baixo: eles sabem aquilo que fizeram, porque a maior parte deles anda há anos a fazer muito melhor. Mas na selecção, de há dois anos a esta parte, até os jogadores parece que só vêem fantasmas, que em cada esquina do jogo descobrem um Adamastador que os pretende engolir, que desaprenderam… Porque será