JOÃO MARCELINO: A última desculpa chama-se Ronaldo
Recordo algumas coisas que escrevi antes de o Mundial de futebol começar: este era o plantel mais desequilibrado da última década. Faltava-nos um meio-campo à altura e uma liderança ambiciosa, dentro (Figo) e fora do campo (Queiroz). Normal seria conseguirmos o apuramento na primeira fase. Título só por milagre.
Entretanto, apareceu a lesão de Nani, depois o problema com Deco. Somando à ausência de Bosingwa e à incógnita de Pepe, era muita coisa junta. Demasiados obstáculos para que se pudesse cumprir a mensagem ambiciosa, mas sem aderência à realidade, lançada por Queiroz: lutar para ser campeão do mundo.
Se virmos as coisas à luz do realismo, de forma substantiva, o que aconteceu era previsível. A selecção fez o possível, descobriu dois jogadores de alto nível (Eduardo e Fábio Coentrão) e até cumpriu. Podia, e devia, ter jogado melhor, de forma mais atrevida, mas o resultado final nunca seria muito diferente deste. Há, nesta altura, várias equipas com mais capacidade do que a nossa. Sobretudo, têm melhores jogadores e uma liderança mais exaltante.
O problema das expectativas criadas, também alimentadas pelo seleccionador, têm que ver com o discurso futebolês, que tende a empolgar as almas, e esta nova moda do ramo do comentário pacóvio-científico, que busca plantar a erudição, a poesia, onde ganharíamos em ter o discurso musculado de Dunga ou o pragmatismo de Del Bosque. Tudo coisas bem melhores do que a conversa fiada que está a reduzir o futebol da selecção e já leva alguns, mais desesperados, a saudar lideranças como a de Maradona!...
O caso criado à volta do desabafo de Cristiano Ronaldo é um exemplo desta mediocridade. De forma sibilina, sempre cifrada, vai sendo passada a ideia, por meias palavras, de que o próprio treinador, grande disciplinador, irá agora meter o rapaz na ordem. Maldade pura.
Ronaldo, de facto, não rende na selecção (curiosamente desde a altura em que chegou Queiroz…) o que está ao seu alcance. Até deixou de marcar golos! Isso sabe-se, e vê-se. Terá que ver com muitos factores, a começar pela extrema ambição que às vezes se casa com a juventude e tolda o discernimento ao jogador. Num caso destes, o que se pede a um líder não é que faça ameaças veladas em público. Exige-se-lhe, primeiro, que explique porque é que, ao fim de dois anos, se sucedem na equipa casos de alguma indisciplina e desabafos despropositados. E, depois, que faça aquilo que tem a fazer para enquadrar e dar maturidade ao talento de Ronaldo. Sinceramente, e ao mesmo tempo, este é um caso que não me preocupa. Daqui a uns meses, Mourinho ajudará Ronaldo a crescer e Queiroz, que trabalha há tantos anos com ele sem resultados, aproveitará.
Limito-me, portanto, a assinalar mais uma desculpa avulsa, esfarrapada, e solidifico a desconfiança sobre um líder capaz de, numa conferência em que deveria ser objectivo e analítico, lançar o argumento dos jogadores que lhe faltaram e de chamar em auxílio dos seus pontos de vista nomes como o de Eusébio, e o do que este lhe terá dito em privado.
O que se viu no Mundial é simples: um treinador com uma equipa limitada, é certo, mas incapaz de tirar o melhor rendimento dela; que no último jogo cometeu um erro de palmatória; que de novo mostrou não ser um líder forte. Um problema que vale cerca de 2,5 milhões de euros ao ano para a FPF de Madaíl e só se resolverá daqui a dois anos. Até lá…