João Garcia: "O Evereste é uma feira de vaidades"
João Garcia, alpinista português, chegou ao cume do Evereste em 1999. Mas acabou por ser a pior expedição da sua vida
João Garcia está nos Himalaias, a guiar um grupo de trekking . Pisou o cume do Evereste em 1999, na sua terceira tentativa na montanha mais alta do mundo. A jornada devia ter sido de glória, mas acabou por ser, como o próprio diz, a "pior expedição" da sua vida: sofreu graves congelações e perdeu o seu companheiro de escalada, o belga Pascal Debrouwer, cujo corpo nunca foi encontrado. Em abril de 2007 tornou-se o décimo alpinista no mundo a conquistar todas as 14 montanhas do mundo com mais de 8000 metros sem recurso a oxigénio artificial. Para ele, alpinista de elite, guia e líder de expedições, a tragédia de 1996 ficou a dever-se a falhas humanas. E a lógica comercial que reina no Evereste continua a pôr em risco as vidas de clientes e de sherpas.
Como é que se explica a tragédia de 1996? A culpa foi do homem ou da natureza?
Foram erros humanos. No fundo, não se cumpriu com o plano preestabelecido, de voltar para trás caso não tivessem atingido o cume até às 13.00. Os líderes das expedições deixaram-se levar pelas emoções, em vez de raciocinarem com frieza. E isso prova que, mesmo com oxigénio artificial, àquela altitude, num contexto de exaustão física e tensão emocional, podemos perder discernimento. Depois, houve falhas logísticas, nomeadamente as garrafas de oxigénio para a descida não estarem no sítio combinado e haver comunicações deficientes. Com a tempestade que apareceu, se tivessem feito tudo certo, não iriam ao cume, mas também ninguém teria morrido.
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O ambiente no Evereste é diferente do das outras montanhas?
O Evereste é uma feira de vaidades. Está cheio de gente que não partilha os ideais do montanhismo, gente sem preparação, que nunca escalou um 7000, muito menos um 8000, mas que quer colecionar um troféu. E que paga muito bom dinheiro por isso. Neste momento já não é o governo do Nepal quem dita as regras... Elas existem, mas os nepaleses não fazem grande força para as impor, porque receiam que as grandes agências se mudem para o lado norte [Tibete] e o país perca uma fonte importante de receitas turísticas. Portanto, quem manda, como em qualquer negócio, é quem tem o dinheiro: as grandes agências. Que até se dão ao luxo de fazer guerrilha mediática na imprensa nepalesa contra uma concorrente local que cobra preços mais baixos...
Neste cenário, o Evereste é uma montanha a que gostaria de voltar?
Uma resposta que os meus amigos espanhóis gostam muito de dar: depende! Com as minhas regras, sim. Depende do projeto, da companhia, do contexto...
Como antevê o futuro na montanha mais alta do planeta?
Em termos económicos, é fácil: vai haver uma inflação de 10% ao ano nos preços. O Evereste é uma galinha dos ovos de ouro e quanto mais gente morrer maior será o apelo para excêntricos de todo o mundo... Atualmente há melhores condições para quem trabalha na montanha, mas o grosso da fatia continua a cair nos bolsos das grandes agências e dos políticos corruptos em Katmandu. Como se diz em bom português, quem se lixa é o mexilhão.