16 setembro 2017 às 00h00

Do gozo dos colegas de escola a campeão do Mundo

Ricardo Pinto repetiu na China o título de 2015. É a consequência de uma vida inteira dedicada à modalidade

André Cruz Martins

Ricardo Pinto já tinha conquistado o estatuto de um dos melhores praticantes de todos os tempos de patinagem artística em Portugal. A 6 de setembro reforçou essa posição, ao sagrar-se campeão do mundo na vertente Solo Dance, na competição realizada em Nanjing, na China, isto depois de já ter alcançado o mesmo título dois anos antes, em Cali (Colômbia). Na China, o patinador natural do Porto somou 156.94 pontos, batendo o italiano Daniel Morandin, que conquistou 153.62 pontos.

"Não posso dizer que este título era algo que esperava, pois ninguém pode garantir que vai ser campeão do Mundo. No entanto, trabalhei e preparei-me muito para que isto fosse possível. Considero que este título foi mais complicado do que o anterior, pois estava na China, muito longe da família e debaixo de uma pressão gigantesca. Os representantes portugueses acabaram por se apoiar uns aos outros e as coisas compuseram-se... até ao título mundial!", referiu ao DN.

O atleta que representa o Rolar Matosinhos fala na "justa recompensa por muitos anos de dedicação à modalidade". Para se ter uma ideia, chega a haver dias em que realiza "três treinos técnicos diários, num total de cinco horas, isto para além do indispensável trabalho de ginásio, de modo a aumentar a resistência".

Foi com apenas cinco anos que Ricardo começou a praticar patinagem artística. "A minha irmã já o fazia, pois tinha um problema no joelho e os médicos aconselharam-lhe a patinagem para o corrigir. Pouco tempo depois, a minha mãe também me inscreveu, pois queria que eu fizesse desporto. Mas a verdade é que não gostei logo e quis desistir, aquilo era muito complicado para uma criança de cinco anos! Mas a minha mãe insistiu, eu lá fui ficando e aos poucos fui ganhando gosto pela patinagem artística", revelou.

A grande maioria dos rapazes daquela idade preferiam jogar futebol ou praticar outros desportos com bola. Por isso, na altura, Ricardo foi alvo de alguns comentários pouco simpáticos de colegas na escola. "As crianças achavam estranho eu praticar patinagem e fui um pouco gozado, mas foi só no início e ultrapassei a situação muito rapidamente", garantiu.

Apesar de ter começado muito novo, as vitórias na modalidade demoraram a aparecer. "Só comecei a conseguir bons resultados passados muitos anos. Aliás, as dificuldades que tive de superar e o trabalho que realizei para conseguir evoluir foram essenciais para o que estou a viver hoje em dia. Ter passado por essas dificuldades deu-me muita força a nível mental", sublinhou este antigo praticante de... karaté, embora no caso desta modalidade nunca tenha sido federado.


A escalada para o sucesso

Foi em 2009 que Ricardo Pinto conseguiu a sua primeira internacionalização, na altura em pares de dança, mas sem resultados positivos. Em 2011 alcançou as suas primeiras grandes vitórias internacionais, ao sagrar-se campeão da Europa e do Mundo de juniores, quando já se tinha especializado em Solo Dance, tendo conseguido o título europeu em 2014, no escalão sénior, antes dos dois títulos mundiais seniores de 2015 e 2017. "Se já me sinto uma referência no desporto português? Sim, os resultados assim indicam, não é toda a gente que tem dois títulos mundiais", atirou.
Ricardo Pinto tem um sentimento agridoce quando é tratado pelo "Cristiano Ronaldo da patinagem artística", algo que acontece com bastante frequência. "Por um lado, sinto-me bem, pois o Cristiano Ronaldo é uma das grandes referências de Portugal. Mas por outro lado, gostaria de ser conhecido apenas pelo que eu faço", confidenciou.

Apesar de tantas vitórias, o patinador garante que, quando entra em pista, continua a sentir a mesma emoção do que quando se estreou a defender as cores nacionais, há oito anos. "Ser o escolhido para representar Portugal é algo que me deixa sempre muito emocionado. É sem dúvida das sensações melhores que pode haver e continuará sempre a ser assim", disse, garantindo que não se acomodará com o sucesso alcançado. "Posso já ter chegado ao topo, por ter sido campeão mundial, mas não quero parar por aqui e já penso no próximo Campeonato do Mundo, que decorrerá em Nantes, no próximo ano e onde quero voltar a ganhar", desejou.

O atleta do Rolar Matosinhos regista com agrado a evolução da modalidade no nosso país: "Tem havido um aumento do número de praticantes e há cada vez mais atletas com qualidade. A prova da grande evolução foram os resultados que se registaram no último Campeonato do Mundo."
A seleção nacional conquistou um total de oito medalhas na competição que decorreu a semana passada na China, das quais três de ouro, os melhores resultados de sempre. Para além de Ricardo Pinto, destaque, em Quartetos, para a equipa constituída por Paulo Santos, Filipe Galego, Ricardo Martins e José Souto, que ganhou com a performance "Are you Mambo". Quem também trouxe o ouro para Portugal foram os juniores Daniela Dias e José Cruz, em Pares de Dança.

Os irmãos José Souto e Mariana Souto foram bronze, igualmente em Pares de Dança. Já Pedro Walgode subiu com Ricardo ao pódio para receber a medalha de bronze em Solo Dance, enquanto a sua irmã, Ana Walgode, sagrou-se vice-campeã mundial em Solo Dance femininos, tendo sido a primeira medalhada lusa em Mundiais nesta vertente. Maria Beatriz Sousa (Solo Dance femininos juniores) e José Cruz (Solo Dance juniores) ganharam a prata.

"Acho que estes resultados vão ajudar a que cada vez mais pessoas se interessem pela modalidade no nosso país. Antigamente, só quem gostava mesmo de patinagem artística é que gostava de assistir às provas através da televisão, mas agora há cada vez mais um público novo que tem sido conquistado", congratulou-se.

Para além da patinagem artística, a biologia é outra grande paixão do agora campeão mundial. Para trás ficou o curso de Fisioterapia, que iniciou, mas não chegou a concluir, por perceber que essa não era a sua vocação. "Estou no último ano da Faculdade, em Biologia, e espero terminar este ano. Mas sinceramente, este curso é apenas para que tenha algo como segunda opção, pois quando terminar a carreira como desportista, quero ser treinador de patinagem artística", confessou.