Chorinho brasileiro só com violão e pandeiro

As páginas desportivas dos jornais brasileiros de hoje parecem mais um folheto de seita religiosa. Esta gente não aprendeu com Nelson Rodrigues, o grande cronista: do Além quem costuma aparecer alinha na equipa adversária. Quando ele criou o Sobrenatural de Almeida, esse fantasma descia aos relvados para atazanar o espírito e o resultado das equipas queridas de Nelson Rodrigues, a seleção canarinha e o Fluminense. Ora, hoje quem pode acreditar no Sobrenatural de Almeida são os chilenos: eles é que viram a bola do Pinilla bater com estrondo na trave e por um triz, a segundos do final do prolongamento, não eliminar o Brasil. Sobrenaturalmente a bola não entrou, foi-se a penáltis e aos brasileiros, em vez de serem terra-a-terra por terem ganho no substantivo e no concreto (marcaram matematicamente mais do que os chilenos) deu-lhes o chilique. Saíram do estádio vencedores e miseráveis, a chorar.

Desde aí estamos nesta fase mariquinha das lágrimas. Chorinho, só música, caragos! Um dos jogadores, Willian, diz-me O Globo, publicou no Instagram uma frase de autoajuda: "Nenhuma dor é maior do que um sonho." Rapaz, o único desporto que precisa de autoajuda é a Fórmula 1: sem a ajuda do Ferrari ou do Lotus, sem auto, nada a fazer. Agora, desportistas de boa saúde e melhor conta bancária a exporem as suas fragilidades emocionais... Felipão, liberte o sargento que há em você e ponha na ordem estes fanicos. Isto não vai lá com frases tipo "Amor é...", no futebol um antigo filósofo português já disse o que há para dizer: "Atirem-se a eles como Tarzões."

E, já agora, deixem-me lembrar um exemplo adequado quando se fala de um Mundial no Brasil. 1950, estádio do Maracanã, final Brasil-Uruguai, jogo de vencedor certo, os da casa. Quando o brasileiro Friaça fez o 1-0, confirmava-se o destino e os uruguaios conformavam-se, apagou-se-lhes um bocadinho a luz dos olhos. Menos no capitão Obdulio Varela. Ele foi buscar a bola às suas redes e dirigiu-se ao árbitro como um homem zangado. Esticou a corda quase até à expulsão. De repente, parou, já tinha visto que os seus se tinham recomposto. O jogo recomeçou e conhece-se o resultado: ganharam os uruguaios, 1-2.

Isto é uma homenagem à frieza? Vocês não entenderam nada. Obdulio não foi comemorar essa noite com os seus. Andou pelos botequins do Rio, emprestando o ombro aos brasileiros que choravam e não o reconheciam. Voltou para Montevideu com chapéu de aba rebatida e gabardina de gola levantada - como um homem que ganhou a guerra na terra dos outros e não se vangloria.

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG