A gratidão não entra em campo no futebol

Quando um treinador de futebol fica muitos anos numa instituição há uma coisa que não pode deixar de fazer, para ter sucesso: mudar de jogadores, prescindindo algumas vezes dos que antes mais o ajudaram. E só há uma alternativa a essa decisão dolorosa, que é outra decisão dolorosa: o clube, ou a seleção, mudar de treinador. No futebol, como numa empresa, não se eterniza uma liderança ganhadora eternizando os trabalhadores e as rotinas. Quando é necessário mudar? Antes que seja necessário, diz-se na gestão. Reforcei a aplicação desta ideia ao futebol lendo a biografia de Alex Ferguson, melhor exemplo de longevidade triunfante à frente de uma equipa. O velho escocês assume que o que mais lhe custava era dispensar craques indiscutíveis mas a quem já pressentia o declínio, de Brian McClair e Mark Hughes a Dwight York e Andy Cole, ou Irwin, Pallister, Sheringham, Solskjaer. Mas também nunca deixou de o fazer. Há um momento em que tem de se fazer a escolha entre o respeito por uma carreira e a vontade de ganhar de novo.

Vem isto a propósito da gratidão que Paulo Bento assumiu ter em relação a alguns jogadores da seleção, como fez questão de sublinhar mal terminou o jogo com o Gana. Percebo a tese mas parece-me desajustada do momento em que se torna obrigatório um processo de renovação, mesmo se gradual, do quadro de jogadores da seleção. Abomino a ingratidão como poucas outras coisas, mais ainda que a traição, que esta pode vir de um qualquer mas a ingratidão só terá origem em alguém a quem fizemos bem, mas a questão é outra: como se pode manifestar gratidão por um jogador de futebol? Respeitando o seu trajeto, valorizando o contributo dado, não entrando em comparações com outros com base na idade, assumindo frontalmente o que ainda se espera dele, ou deixou de esperar, nunca convocá-lo em função do que já foi.

Não estou a afirmar que Paulo Bento o fez ou fará, que tenho a certeza que não pelo menos por esse único motivo, nem estou sequer convencido de que seja preciso afastar dos convocáveis qualquer mundialista do Brasil, que falta gente nova mas não há ninguém fora do prazo de validade. Ou seja, podemos ter qualquer dos atuais jogadores na equipa, já não podemos é voltar a ter uma equipa só com estes jogadores. E a ideia de gratidão pode ser inimiga da necessidade de mudar quando, ainda por cima, se liga aos pontos sensíveis da história recente da seleção: a falta de sangue novo na equipa (chamem-lhe energia, dinâmica, condição física) e uma insistência exagerada na mesma equipa e por consequência em alguns jogadores (João Pereira, Raúl Meireles, Hélder Postiga) que não estavam nem perto do melhor que já mostraram.

Em qualquer equipa, e mais ainda numa prova curta, há que aproveitar o momento positivo de alguns atletas e ser capaz de mudar quando as coisas não correm como planeado. Paulo Bento fez depois de o segundo jogo o que devia ter feito depois do primeiro. E digo isto com a paz de consciência de quem não criticou o onze, frente à Alemanha, antes tentou entendê-lo mas fez questão de dizer, e escrever, logo após a goleada de Salvador, que o meio-campo, sector vital, não deveria ser o mesmo. O jogo com o Gana provou que Paulo Bento mudou tarde. Não estou a afirmar, insisto, que o tenha feito por razões de gratidão. Mas foi ele quem usou a palavra e isso preocupa-me.

PS - Considero que Paulo Bento é competente e que tem todas as condições para continuar a ser selecionador nacional.

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