Até sempre, "Monstro Sagrado"
A antiga glória do Benfica Mário Coluna faleceu esta terça-feira à tarde, aos 78 anos, em Moçambique, vítima de complicações pulmonares. A confirmação foi dada ao DN por João Malheiro, amigo de longa data do ex-jogador, que desde domingo se encontrava internado no Instituto do Coração, em Maputo. Para a história de um dos grandes médios do futebol português fica o destino cruzado com Eusébio, a quem considerava como um filho
Quando Eusébio chegou a Lisboa, ainda menor de idade, trazia na mão uma carta da sua mãe. "Ela disse-me para entregar ao senhor Coluna, que ficaria responsável por mim", disse mais tarde o rapaz do Bairro da Malafala, que se tornaria no "Pantera Negra" e na grande referência do Benfica desde o início da década de 1960. Quando no início deste ano, Eusébio faleceu, sobre ele Coluna disse: "Tinha-o como um filho..."
Moçambicanos, símbolos de um Benfica triunfal e de uma das melhores gerações do futebol luso, Eusébio e Coluna cresceram juntos. Na verdade, terá sido Coluna a ajudar Eusébio a crescer. Ele que tinha tido um percurso em tudo semelhante. Nasceu em Magude, nos arredores de Maputo, e trocou os pelados pelo Estádio da Luz em 1954, ainda com 18 anos. Coluna é filho de um português que trabalhava nos caminhos-de-ferro e aos quatro anos separou-se da mãe para ir viver para Maputo.
Começou a jogar futebol no João Albasini, clube que se distinguia por todos os seus jogadores serem brancos ou descendentes de europeus, mas começou a destacar-se pelo Desportivo de Lourenço Marques, filial do Benfica, que se antecipou ao Sporting na sua contratação. Veio como avançado-centro, mas o técnico Otto Glória percebeu que renderia mais se recuasse para médio. Acertou. E foi com Coluna a mandar no meio-campo que o Benfica teve os seus melhores anos. Pela serenidade e visão de jogo, o capitão era um jogador de classe e tornava-se uma extensão do técnico em campo.
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No período áureo encarnado, o "Monstro Sagrado", como lhe chamaram, ajudou o Benfica a conquistar as duas Taças dos Campeões Europeus (1960/61 e 1961/62) e, a nível interno, dez títulos de campeão e sete Taças de Portugal nas 16 temporadas em que representou o clube (entre 1954 e 1970), tendo realizado 525 jogos oficiais e marcado 127 golos. Pela seleção, jogou 57 partidas e marcou oito golos, tendo-se destacado naquele Campeonato de Mundo de 1966, em Inglaterra, onde Portugal conseguiu o terceiro lugar, sendo escolhido para o onze-ideal da competição, juntamente com Eusébio e Vicente Lucas (ambos moçambicanos a atuarem pela seleção).
Quando deixou o Benfica, ainda representou o Olympique de Lyon (1970/71) e o Estrela de Portalegre (1971/72), antes de pendurar as botas e enveredar pela carreira de treinador. Mas acabaria por regressar a Moçambique após 1974, quando acedeu a um convite do presidente Samora Machel e deixou o comando técnico dos angolanos Benfica do Huambo.
No seu país natal, Coluna chegou a deputado e a presidente da Federação Moçambicana de Futebol. Porém, nos últimos tempos andava zangado com o facto de o prédio que comprou no centro de Maputo ainda como jogador do Benfica ter sido nacionalizado, sem que tivesse tido qualquer compensação. "Para não passar por aquilo porque eu passei, Eusébio só fez bem em não regressar a Moçambique", disse, no início do ano, numa das últimas entrevistas que concedeu. Precisamente nessa semana, falecia Eusébio.
Pouco mais de um mês e meio depois do falecimento do Pantera Negra, Coluna era internado no hospital do Coração, em Maputo, com uma grave infeção pulmonar. Agora, o Monstro Sagrado faleceu vitima de complicações resultantes da sua condição clínica. Em retrospetiva, fica a sensação que o destino do Monstro Sagrado e de Eusébio, o eterno companheiro que "sentia como um filho", estiveram sempre ligados.