Novo plano de combate ao 'doping' mais difícil de ludibriar
O Estado rejeita o regresso à altura em que eram os clubes a pedir os controlos, porque o actual sistema baseado em sorteios "é mais eficaz". A previsibilidade do método antigo permite que jogadores usem o tempo limitado de detecção dos dopantes para se doparem e chegarem ao jogo sem vestígios
O futebol está à beira de obter o seu melhor registo no combate ao doping. Se o número de três infracções se mantiver até ao final de Dezembro, com o aumento da quantidade de controlos (1179 amostras colhidas), a modalidade ficará com um mínimo inédito de percentagem de positivos: 0,25%. Por isso, o Estado rejeita trocar o sistema actual, baseado em sorteios, pelo antigo, em que eram os clubes a solicitar os testes.
"O modelo tem-se mostrado eficaz. Está muito longe da nossa perspectiva mudar e voltar ao sistema antigo, em que os clubes desatavam todas as semanas a levantar dúvidas e a pedir controlos", vincou Laurentino Dias, secretário de Estado da Juventude e Desporto, durante a apresentação do balanço do combate ao doping no futebol e futsal nos últimos sete anos. "Este programa é dissuasor, que surpreende as equipas ao nível das visitas das brigadas."
"O efeito disuasor é o ponto fulcral do programa antidoping. O objectivo é que em cada jogo ninguém saiba antecipadamente que vai ou não haver controlos", explicou Luís Horta, presidente da Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP), vincando que, para haver testes em todos os jogos, a todos os jogadores, deixaria de haver combate nos outros desportos.
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"Tem é de haver controlos inteligentes. Um bom exemplo foi a Volta a Portugal em bicicleta, em que se gastou menos dinheiro, mas com mais qualidade, e os resultados foram melhores ", salientou ainda o perito português, referindo-se ao facto de na Volta terem sido detectados três casos de doping na equipa patrocinada pela Liberty Seguros, incluindo o vencedor da prova, Nuno Ribeiro, o que acabou com a formação.
Mas, quais são as diferenças entre o actual sistema e o antigo, que ciclicamente é referido nos meios futebolísticos? A principal é a previsibilidade: no antigo eram os clubes que solicitavam os controlos, pedido que era feito essencialmente pelos clubes que lutavam pelos lugares cimeiros da classificação; actualmente, há controlos em três jogos, um sempre na partida em que actua o líder do campeonato, os outros por sorteio.
Este é realizado por um programa informático, cujos resultados são mantidos confidenciais e dos quais apenas duas pessoas têm conhecimento: o presidente da ADoP e o médico que vai recolher as amostras. Este apresenta-se no estádio apenas depois de começar a segunda parte, para não quebrar o elemento surpresa, e 15 minutos antes de terminar a partida convoca os delegados das equipas para o sorteio dos quatro jogadores sujeitos ao controlo.
As estatísticas ontem divulgadas mostram também que há mais testes fora de competição, considerada uma das armas mais eficazes na detecção do doping, pois corta a margem de manobra aos jogadores e pessoal de apoio que apliquem a dopagem vários dias antes dos jogos com a pespectiva de a substância utilizada já ter desaparecido aquando da partida.
Os dopantes mais potentes usados no desporto têm margens de detecção muito curtas. A eritropoietina (EPO), que revolucionou modalidades como o ciclismo e o atletismo, é detectável apenas por dois a três dias. Mas, à medida que as técnicas de detecção foram sendo apuradas, os batoteiros passaram a recorrer às micro-doses, que reduzem a janela de despiste.
O mesmo acontece com a testosterona, a hormona sexual masculina cujos efeitos são copiados por versões sintéticas e por outros esteróides anabolizantes, classe de dopantes publicamente mais associada ao futebol que a EPO, por desenvolver a força muscular. Na Volta à França de 2006, Floyd Landis usou micro-doses de testosterona e só foi apanhado porque os níveis da hormona passaram uma vez o limite legal. O cenário em relação à hormona de crescimento (hGH), que se suspeita ser muito usada em combinação com a testosterona, é semelhante. Fica no corpo 24 a 36h.
Se o sistema antigo fosse recuperado, haveria, desde o início da semana e até aos jogos de fim-de-semana, uma janela de mais de 150h para que jogadores e médicos limpassem os vestígios dos dopantes, recorrendo a diuréticos ou simplesmente usando o tempo.
A previsibilidade do plano antigo também permitiria usar técnicas para enganar os controlos, como o recurso a urina alheia, inserida na bexiga dos jogadores com um catéter, ou a proteases, que destroem os vestígios na urina de alguns dopantes, como a EPO.