Desporto
30 julho 2021 às 03h57

Refugiado exilado em Portugal bateu recorde pessoal em Tóquio

Congolês viveu experiência inédita nos Jogos Olímpicos com ajuda do Comité Olímpico de Portugal. Treinado por Obikwelu competiu nos 100 metros.

Dorian Keletela. O velocista dos pés tortos que fugiu do Congo e acabou em Portugal e no atletismo do Sporting estreou-se nos Jogos Olímpico neste sábado com um recorde pessoal nos 100 metros: 10, 33 segundos. O português Carlos Nascimento despediu-se de Tóquio 2020 com 10, 37 segundos.

O velocista de 22 anos competiu pela equipa de refugiados Olímpicos (29 atletas de 12 modalidades) e bateu a sua melhor marca por duas vezes. O melhor que ele tinha conseguido nos 100m eram 10,46 segundos. Em Tóquio, primeiro venceu a sua série na terceira eliminatória com 10,33s, e depois foi eliminado, mas ainda voltou a fazer um tempo abaixo da sua melhor marcar, com 10,41 segundos.

Desde janeiro que Dorian é treinado por Francis Obikwelu, vice-campeão olímpico (2004) e recordista da Europa e de Portugal nos 100 metros (9,86 segundos, em 2004). Revê-se um pouco na história do nigeriano naturalizado português, que tem como ídolo, mas que não o acompanha em Tóquio.

Dorian teve de se qualificar para Tóquio tal como os outros atletas, mas os critérios são um pouco diferentes. Ou seja, não necessitou de fazer marca para se qualificar, mas precisou de ser o melhor velocista entre os refugiados a nível mundial.

Os pais morreram quando ainda era muito jovem e por isso Dorian foi viver com uma tia, uma política da oposição que se viu perseguida e obrigada a fugir do Congo. A tia pediu asilo a um país europeu e com os conhecimentos que tinha conseguiu colocá-lo num avião para Lisboa. Quando chegou ao aeroporto Humberto Delgado, Dorian pediu asilo e foi-lhe concedido. E foi assim que em 2016, com 17 anos, o congolês chegou a Portugal, país onde já vê um futuro.

O passado é de perseguição e violência. Memórias que ainda o atormentam "um bocadinho", mas desaparecem quando está na pista, segundo contou ao DN em 2019. "A liberdade" que sente é "especial" e não a consegue explicar.

Assustado e de poucas palavras, passou por dois centros de refugiados na zona de Lisboa e foi num deles que o atletismo entrou na sua vida. "Perguntei lá no centro onde podia fazer desporto e conheci o Carlos Silva, que é treinador, e que me disse para ir para o atletismo. Disse que eu tinha potencial e mandou-me ir ao Sporting", contou ao DN o jovem congolês hoje com 23 anos.

Entrou logo para uma das maiores escolas do atletismo nacional e foi treinado por um dos melhores técnicos da velocidade portuguesa (Rui Norte). Mas teve de aprender a correr. Tinha um jeito meio desengonçado e corria com os pés para fora, o que lhe causou problemas nos movimentos e o obrigou a ser operado aos dois joelhos. Era muito rápido e especializou-se nos 60, 100 e 200 metros, integrado no grupo de treino de João Abrantes, selecionador de velocidade.

Dorian foi então integrado no programa Viver o desporto - abraçar o futuro desenvolvido pelo Comité Olímpico de Portugal (COP), apoiado pela Solidariedade Olímpica do Comité Olímpico Internacional, que no Rio 2016 estreou a inclusão de uma equipa de refugiados. Tem uma bolsa de preparação de cerca de 18 mil euros.

A história da equipa de refugiados começou em 2013, quando a ONU desafiou o Comité Olímpico Internacional a arranjar forma de o desporto ser inclusivo. O COI por sua vez pediu aos respetivos países para apresentarem projetos. O Comité Olímpico de Portugal aceitou o desafio e marcou a diferença com um projeto próprio. Um programa de integração pelo desporto apoiado pela Plataforma de Apoio aos Refugiados e pela União Europeia, que faz o filtro e separa os praticantes dos atletas com potencial olímpico.

Quando chegam aos centros de refugiados são convidados a preencher um formulário, onde lhes é perguntado se praticam ou querem praticar desporto e qual a modalidade. Depois disso o Comité Olímpico de Portugal entra em ação, fornece equipamentos e encontra clubes ou associações dispostos a recebê-los.​

O programa é coordenado por Maria Machado e desde 2016 já envolveu cerca de 1500 refugiados na prática desportiva, dois no projeto Olímpico. Além de Dorian, também Farid do boxe podia estar nos JO. O atleta natural do Afeganistão estava apurado para Tóquio 2020, mas o adiamento para 2021, por causa da pandemia, anulou a qualificação e colocou-lhe problemas ao nível das viagens para competir, falhando o objetivo.

De acordo com a definição do Alto Comissariado das Nações Unidas, um refugiado é "alguém que foi forçado a fugir do seu país por causa de perseguição, guerra ou violência". Uma palavra forte, sinónimo de resiliência e que no caso dos 29 atletas olímpicos fala por 82, 6 milhões de refugiados em todo o mundo.

Conheça mais sobre a história dos outros 28 refugiados presentes em Tóquio 2020, no site da ONU.

Artigo atualizado no dia 31 de julho de 2021.

isaura.almeida@dn.pt