Desporto
16 abril 2021 às 21h17

"O dia perfeito" de Telma Monteiro teve sabor a ouro até para Crisóstomo

Judoca do Benfica sagrou-se campeã europeia pela sexta vez aos 35 anos e chegou às 15 medalhas em 15 participações. Hoje será duplamente homenageada. Portugal já tem duas medalhas.

Ganhar medalhas está no ADN de Telma Monteiro. A judoca portuguesa sagrou-se ontem campeã da Europa e conquistou a 15.ª medalha em 15 Europeus! Um registo impressionante que reforça o estatuto de atleta mais medalhada da prova e dona de mais de um terço (15 das 35) dos metais do judo português.

Nem a máscara escondeu o sorriso de orelha a orelha a Telma e nem o distanciamento impediu o abraço à família que estava no Altice Arena e à equipa: "Há um mês que andava a dizer que ia ser campeã da Europa, mesmo com o ombro magoado."

Ser campeã da Europa em Lisboa "era um sonho que estava adiado", uma vez que falhou o evento de 2008. A judoca tem agora seis ouros - Tampere (2006), Belgrado (2007), Tbilisi (2009), Chelyabinsk (2012) Baku (2015) e Lisboa (2021) -, duas pratas e sete bronzes. "Ganhar em casa, seis títulos, 15 medalhas, ser a mais medalhada de sempre, deixo o recorde para quem quiser bater", atirou a judoca do carrapito, que aos 35 anos chega de novo ao topo.

"É fantástico. Acho que é difícil encontrar palavras. Queria chorar outra vez... Foi duro, a preparação foi muito dura. Magoei-me no ombro quando estava a preparar o Europeu e o apuramento olímpico. Tinha esta oportunidade de disputar o título em casa. Sabia que ia ser difícil, há que dar mérito às adversárias, porque são elas quem me faz mais forte. Foi um dia perfeito. Deixei tudo, costumo dizer que deixei a vida. Mas para alguém me ganhar tinha também de deixar a vida. Quando acordei senti que ia fazer história. E quando meto uma coisa na cabeça só paro quando o consigo", confessou a nova campeã europeia de judo de -57 Kg.

No combate final diante de Kaja Kajzer (15.ª do mundo e com quem Telma tinha perdido em 2020, em Telavive), venceu por ippon aos 39 segundos do prolongamento (golden score). Antes da final, tinha ganho à duas vezes campeã europeia, Sabrina Filzmoser (waza-ari), a Mina Libeer (ippon) e a Nora Gjakova, quarta a nível mundial e grande favorita.

Hoje Telma Monteiro será homenageada pelo Presidente da República (18.30), Marcelo Rebelo de Sousa, e receberá das mãos do PR a medalha da Ordem de Mérito atribuída pelo Governo. Distinções que estavam previstas antes da prova começar e que nada têm a ver com o ouro de ontem. Mas que assim ganham outra dimensão.

Depois de quase 20 anos a virar adversárias no tatami e a colecionar medalhas, a história de Telma já não tem grandes segredos. É só uma questão de atualizar o medalheiro e acrescentar mais uma. Isto visto de fora, porque lá dentro ... as ligaduras, os arranhões e as nódoas negras ou um ombro magoado, assim como algumas inquietações de alma, ajudam a recordar que o sucesso não é por acaso.

A irmã Ana e algumas amigas andavam no judo no Bairro Branco, no Monte da Caparica, e estavam-lhe sempre a dizer era "fixe". Ela que tantas vezes acabava os filmes do Van Damme a praticar uns golpes de luta com a irmã no sofá foi experimentar... mas desistiu passado dois dias. "Entretanto não sei porque carga de água ela decidiu voltar. Talvez na expetativa de poder viajar e conhecer outras pessoas", segundo contou ao DN a mãe, Manuela, depois do bronze olímpico, em 2016.

Quando começou a entrar na alta competição, a mãe tratou de tirar a família do bairro. Queria dar-lhe todas as condições para ser uma super atleta, apesar das origens humildes. O primeiro kimono, que ainda hoje guarda, custou 16 contos na altura (80 euros) e foi pago a prestações. Assim como a casa no Feijó, a metros do Clube Construções Norte-Sul, onde cresceu para o judo.

Hoje é atleta do Benfica, tem mais de 20 medalhas, é a única medalhada olímpica portuguesa em atividade, a terceira mais medalhada de sempre da modalidade e a grande responsável pelo impulso da modalidade. Segundo dados da federação, o número de praticantes subiu 30% com Telma em cena.

Mas não foi só Telma que brilhou no Altice Arena. Para João Crisóstomo, o bronze conquistado pouco antes "soube a ouro" e "duplamente" por ser em Lisboa. O judoca da Universidade Lusófona foi a surpresa do dia ao eliminar adversários de peso e a conquistar um lugar no pódio.

O português bateu o bielorrusso Dzmitry Minkou e conquistou o bronze na categoria de -66 kg por waza-ari: "Sabe a ouro. É inesquecível! Não sou um atleta que consegue resolver no início, não sou explosivo. Sempre fui de endurance, consigo levar o combate o mais longe possível. Foi isso que fez a diferença. Tirando um combate, todos os outros foram no golden score. Estava mais bem preparado do que os outros."

Crisóstomo tinha sido surpreendido com um ippon do italiano Manuel Lombardo nas meias-finais, perto dos 30 segundos, e relegado para a discussão do bronze na categoria de -66 kg. Antes disso, o judoca número 63.º do mundo já tinha vencido três combates no prolongamento (golden score) e feito história ao eliminar sucessivamente Patrick Wawrzyczek (54.º), por waza-ari, Nijat Shikhalizada (21.º), por ippon, e Gaitero Martin (9.º), por ippon.

Portugal conseguiu assim duas medalhas no primeiro dia: o ouro de Telma e o bronze de João. Repetir as quatro de Lisboa2008 - o maior número numa prova até hoje - é o objetivo da seleção portuguesa.

isaura.almeida@dn.pt