Wim Wenders filma os dias perfeitos

O alemão Wim Wenders foi ao Japão filmar Perfect Days, inesperado retrato de uma personagem realmente invulgar - genuína celebração da vida, é um dos grandes candidatos à Palma de Ouro.

Desde a sua Palma de Ouro - em 1984, com Paris, Texas -, o cineasta alemão Wim Wenders é uma presença regular do Festival de Cannes, referência universal e símbolo exemplar de um certo cinema europeu que não abdica de valorizar as singularidades dos autores.

Dele, este ano, começámos por ver, extra-competição, Anselm, notável documentário sobre o pintor e escultor Anselm Kiefer que, além do mais, revaloriza o uso das imagens em 3D. Depois, na secção Cannes Classics, descobrimo-lo como um dos interlocutores da cineasta francesa Lubna Playoust, em Chambre 999, filme que "decalca" um outro filme, Chambre 666, em que o próprio Wenders convidava vários cineastas presentes em 1982 em Cannes para um testemunho sobre o estado das coisas na produção cinematográfica. O ano passado, também em Cannes, Playoust convidou o próprio Wenders e outros cineastas de todo o mundo (Olivier Assayas, David Cronenberg, Asghar Farhadi, etc.) para uma experiência semelhante: Chambre 999 resulta, assim, uma coleção de testemunhos pedagógicos sobre temas como a passagem da película para o digital ou o poder das plataformas de streaming.

Finalmente, Wenders está também na corrida para a Palma de Ouro com o maravilhoso Perfect Days, retrato de Hirayama, personagem, no mínimo, inesperada: um empregado dos serviços de limpeza das casas de banho públicas em Tóquio. Longe de qualquer cliché dramático ou moralista, Hirayama (interpretado pelo magnífico Koji Yakusho) é alguém que vive uma rotina austera, dir-se-ia quase monástica, em que tudo obedece a um rigoroso planeamento: as limpezas, os passeios de bicicleta, os romances que lê (incluindo Faulkner) ou as canções de álbuns "antigos" que conserva em preciosas cassetes (o título decorre da canção Perfect Day, de Lou Reed).

Marcado pelos sinais de uma solidão radical, este é também um filme de sereníssima celebração da vida e do desejo de felicidade - nessa medida, há nele um apelo universal que, pelo menos no plano "teórico", o define como um dos mais fortes candidatos à Palma de Ouro desta (excelente) edição do Festival de Cannes.

dnot@dn.pt

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