Todas as emoções de Juliette Binoche
Continua a grande forma de Juliette Binoche, a partir de amanhã para ser confirmada em Com Amor e com Raiva, de Claire Denis, o vencedor do Urso de Prata da Berlinale 2022. Na pele de uma mulher dividida entre dois homens, temos uma Binoche superlativa. Em San Sebastián falou-nos da sua habilidade de entrar na vida dos outros.
O amor é cruel. Claire Denis sabe disso e todos nós também, mas em Com Amor e Com Raiva, o seu penúltimo filme, aborda as questões da inevitabilidade e do destino. Juliette Binoche é Sara, uma mulher nos seus cinquenta que mantém uma relação com o melhor amigo do seu ex. Um dia, numa Paris abalada pela covid, reencontra o seu antigo amor. Ironia das ironias: é o melhor amigo do seu atual companheiro.
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Em San Sebastián, Juliette Binoche está com um charme sereno numa manhã quente. Estamos em setembro e a atriz francesa confessa estar já algo distante do filme da cúmplice Claire Denis, entretanto estreado em fevereiro passado no Festival de Berlim. E San Sebastián é mesmo especial para ela: durante a pandemia decidiu ir viver com a família para o País Basco: precisava de respirar, um pouco como a sua personagem aqui neste drama de desejo, alguém que muitas vezes vemos com uma máscara numa Paris invernal em plena pandemia.
"Ontem fui homenageada neste festival mas, para mim, o mais importante são os encontros. Claro que compreendo que os festivais precisam de eventos e de trazer os atores, enfim, tentam fazer algo especial. Um ator também ajuda os festivais, representa um papel... E dá trabalho: temos de ensaiar o que vamos dizer, saber o que vamos vestir. Tudo isto faz parte daquilo que escolhi fazer: expor-me! Isto não é a essência do meu trabalho, é uma das suas partes", diz acerca das honrarias em virtude do Prémio Donostia que celebrou o seu talento. Mais outro prémio depois de ter sido recentemente homenageada nos Prémios do Cinema Europeu da Academia europeia.
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Ser verdadeira
E se está a representar um papel, há que perguntar se esse papel corresponde à verdadeira Binoche. A resposta chega sem raiva: "tento ser verdadeira mas sempre dentro das convenções. Num dia normal não me visto daquela forma. O meu discurso correspondeu àquilo que sinto". De certa maneira, sente-se bem com a aclamação. Ela que já venceu um César (por Azul, em 1994), um Óscar (por O Paciente Inglês, em 1997), o prémio de interpretação em Berlim (também por O Paciente Inglês), um BAFTA (sim, por O Paciente Inglês) e o prémio de interpretação em Cannes (por Cópia Certificada, em 2010).
Quando a vemos com a máscara higiénica nos grandes planos em que Claire Denis insiste, vemos sobretudo os seus olhos. E há como que uma abstração... "no começo, isso das máscaras fez-me muita confusão. Fiquei zangada, sobretudo com certas leis, nomeadamente aquela que nos proibia de estar junto ao mar sem ser com a máscara. Por outro lado, em certos casos, sou eu quem pede para que ponham a máscara. Como filmo muito, queria ser responsável... Isso das máscaras tem que se lhe diga: no Irão obrigaram-me a colocar o véu e aí gostei ao início - sentia-me protegida! Mais tarde, odiei: percebi que era um símbolo da falta da liberdade para as mulheres, mas em Com Amor e Com Raiva gostei mesmo que a Claire Denis tenha querido usar isso. Era a realidade... os grandes cineastas sabem convocar aquilo que se está a passar no mundo! Tem a ver com aquilo que se passa no mundo e nas nossas vidas e este era um filme contemporâneo. Era importante estarem lá as máscaras..."
Uma atriz entre o movimento e o silêncio
E ao lado de Vincent Lindon, Binoche empresta à personagem uma força e vulnerabilidade que se confundem. O resultado é uma das suas mais expansivas interpretações, uma dádiva perto de um milagre que já tinha acontecido em filmes como Cópia Certificada, de Abbas Kiarostami, Nada a Esconder, de Michael Haneke, ou O Meu Belo Sol Interior, precisamente de Denis.
Neste Com Amor e com Raiva, a sua prestação move-se entre o movimento e a imobilidade. Talvez por isso seja a primeira a dizer que precisa do silêncio: "Porque estou sempre em movimento... A paz permite-me fazer algo com a minha energia. Nasci assim e, pronto, não há nada a fazer. Depois desta rodagem precisava de ir para um local onde ficasse mesmo sem nada para fazer mas não sou boa nisso. Tenho ainda de descobrir esse estado porque preciso - vou parar em breve dois meses! Tentarei não fazer quase nada".
Em breve vamos vê-la naquele que foi o mais belo dos filmes da competição de San Sebastián, Le Lycéen, de Christophe Honoré, odisseia sobre a juventude do cineasta, uma espécie de Os Fabelmans com sexo queer. Honoré escolheu Binoche para interpretar a sua mãe, algo que a deixou conquistada: "Senti-me desejada, sobretudo porque ele ama-a muito, mesmo com períodos de afastamento. Tocou-me este convite... De repente, estava tão próxima de Honoré, alguém que nem conhecia. Aconteceu uma intimidade sem pudor". Ou seja, Binoche continua a abrir-se às grandes emoções. Nesse sentido é uma atriz que se deixa levar, conforme a própria confirma: "Tenho essa facilidade de me colocar no lugar do outro e ir atrás das emoções. Por muito que tente ser analítica no processo, as emoções chegam sempre primeiro e eu nem as consigo controlar. É verdade, não me reprimo: o que acontece, acontece... Acho que tem a ver com o facto de estar viva. Não tento controlar tudo o que sinto. Tem também a ver com a minha faceta de compaixão, sou muito sensível com as pessoas. Vem da minha infância... Muitas vezes ouço conversas e acabo por colocar-me na mente dos outros. É por isso que sou capaz de chorar ou rir muito rapidamente. Mais rápido do que o ritmo normal. Sou feita assim! É a minha habilidade de me colocar na vida dos outros. Sou atriz por isso mesmo".
dnot@dn.pt
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