O sabor do cozido de Binoche e Magimel
Regresso feliz de Tran Anh Hung, o cineasta O Odor da Papaia Verde, com La Passion de Dodin Bouffant, com Juliette Binoche e o gigante Benoît Magimel, casal de câmara "delicioso", um filme sobre a arte de respeitar o rigor da gastronomia. Mas também houve sexo proibido num remake de A Rainha de Copas...
Surpresa das grandes: La Passion de Dodin Bouffant, de Tran Anh Hung, passou na competição e conquistou Cannes à primeira. Arriscaríamos mesmo afirmar que se trata de um clássico instantâneo e favorito ao palmarés, sobretudo nos prémios de interpretação, onde o ex-casal na vida real, Benoît Magimel e Juliette Binoche, tem hipóteses óbvias.
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Este anti-A Grande Farra, de Marco Ferreri, aborda a arte da gastronomia e passa-se todo à mesa ou na cozinha. Uma história de amor no século XIX entre um gourmet radical e uma cozinheira, baseada no livro do suíço Marcel Rouff. Não é objeto para nos matar a fome mas a forma quase mística e sedutora com que a câmara filma os pratos e a sua confeção é quase uma experiência do palato e olfativa. Uma proposta de cinema que não de desvincula de um princípio essencial: acreditar na partilha de um romantismo subtil e até tímido. Exatamente por isso, não precisa quase de diálogos nem de "zona do conforto" - apenas de um conceito de bem-estar. As imagens de rara beleza de fusão dos elementos celebram também a grande tradição cultural da "cuisine française", mesmo quando no pot-au-feu possa estar um ato dramático. Depois de filmes de que ninguém quis saber, sobretudo o desastroso Amor Eterno (2016), o cineasta vietnamita volta a encontrar o "odor" do seu cinema: delicado e sempre a deixar-nos desprevenidos, tal como o charme mais do que simbólico desse casal de cinema que é Binoche e Magimel. Bravo!
Também com produção francesa chegou à competição, L'été Dernier, de Catherine Breillat, cineasta que ficou famosa por filmes com perfume de escândalo e que estava desaparecida em combate após problemas de saúde. Neste conto de suposto abuso sexual entre uma mulher de 50 anos e o filho do marido, jovem de 16 anos, há também uma adenda de transgressão, ainda que sempre amparada na zona de limite. A pergunta que fica no ar é porque razão este remake fiel a A Rainha de Copas, de May el-Toukhy, filme dinamarquês que em 2020 foi muito visto mundo fora, está na competição? A resposta vale um milhão de euros... Daqueles casos que poderia ficar bem mais resguardado na secção Cannes Premiere.
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Tributo a Barry Ackroyd

Como é tradição na última década, Cannes homenageia como o Prémio Pierre Angenieux um diretor de fotografia. Este ano o escolhido foi o britânico Barry Ackroyd, nomeado ao Óscar com Estado de Guerra, de Kathryn Bigelow. Trata-se de uma escolha feliz para um artista que tem revolucionado uma certa ideia de cinema direto, ele que foi uma descoberta de Ken Loach. Em 2006 fez a fotografia para Os Imortais, de António-Pedro Vasconcelos. "Não me esqueço desse filme nem do António-Pedro, um cineasta que era fã da nouvelle vague francesa. Gostei muito de trabalhar com os atores portugueses e o filme não ficou nada mal...", contou ao DN este talento que depois da fase de Loach ganhou notoriedade pelos filmes de "câmara à mão" de Paul Greengrass, em especial Jason Bourne.
Como sempre, este tributo destaca também um novo nome da direção de fotografia, tendo este ano sido chamada Haya Khairat, jovem do Egito, já com duas longas no seu currículo.
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