São Martinho de Tours. O cavaleiro romano que dividiu a capa com um mendigo

Nascido numa família pagã, São Martinho foi soldado romano mas fez-se bispo. Famoso pelos milagres, foi dos primeiros santos não mártires e a sua popularidade continua enorme, como o prova o seu dia, dedicado a castanhas e a água pé.

São Martinho de Tours, que em Portugal associamos muito com castanhas e água pé e também a uns dias mais quentes de outono a que chamamos de Verão de São Martinho, tem sido ao longo dos séculos o Santo Padroeiro de França, país onde o seu culto se destaca desde a Idade Média.

"Visto de França, a chave para entender a importância de São Martinho é Clóvis. São Martinho é um precursor importante que vai preparar a conversão ao catolicismo do rei dos Francos. Martinho é "um soldado de Cristo". Tours, onde está a capa de Martinho, estabelece-se como refúgio dos Merovingios, a primeira dinastia francesa. Digamos que a capa de São Martinho protege a França de Clóvis, filha mais velha da Igreja Católica", diz Laurent Goater, gestor francês há muito radicado em Portugal. Para a conversão de Clóvis, que viveu um século depois de Martinho, terá sido decisivo o rei ter atribuído à intercessão do santo a vitória numa batalha, depois de ter prometido antes à sua mulher, a cristã Clotilda, batizar-se caso saísse vencedor.

Mas se Tours, onde foi bispo no século IV, é hoje a cidade que todos veem como a de São Martinho, a verdade é que este nasceu com o nome de Martinus em território da Hungria, na atual Szombathely. Martinho nasceu em 316 na província romana da Panónia, no sítio então chamado Sabaria. Foi criado por uma família pagã, mas cedo se sentiu atraído pelo cristianismo. Os biógrafos dividem-se na questão de se era ou não já batizado quando foi incorporado nas legiões do Império Romano e enviado para a Gália, a França dos nossos dias.

O episódio mais célebre da sua vida foi o encontro com um mendigo que estava cheio de frio. Martinho, que vinha a cavalo, cortou a capa ao meio e ofereceu metade ao pobre. Nessa noite, sonhou com Cristo que lhe disse ser o mendigo ajudado. Na manhã seguinte, segundo se conta e se reconta há séculos, a capa do cavaleiro romano estava intacta.

Saído das fileiras do exército romano, Martinho fica sob a proteção do bispo de Poctavium (Poitiers), o futuro São Hilário. Crente fervoroso é enviado como missionário para a sua Panónia natal e também para os Balcãs, onde o catolicismo está sob ameaça do arianismo, heresia que contesta a divindade de Cristo. Expulso dos Balcãs pelos arianos, passa anos numa ilha em retiro e depois viaja por Itália até regressar a França, de novo a Poitiers. É quando se acentua a sua vocação monástica.

Em 371, Martinho é feito bispo de Tours, que na era romana se chamava Cesarodunum. Os mosteiros que abre e incentiva são obra importante para a divulgação do cristianismo na Gália. Ao mesmo tempo acumula fama de milagreiro, antes de morrer em 397, com 81 anos.

É dos primeiros santos a não ser mártir da Igreja. Sobre isso, Anselmo Borges, sacerdote católico doutorado em Filosofia e professor na Universidade de Coimbra, explica: "São Martinho viveu num século em que o Império Romano já tinha desistido das perseguições aos cristãos. Constantino, com o édito de Milão de 313, confere liberdade religiosa no Império. E depois o imperador Teodósio torna o cristianismo religião oficial". O padre Anselmo Borges sublinha ainda a profunda mensagem cristã do episódio da capa, relacionada com a generosidade e que tem que ver com a pergunta que será feita no Dia do Juízo Final.

São Martinho é o santo padroeiro dos mendigos e também de múltiplas profissões, dos alfaiates aos cavaleiros, dos soldados aos produtores de vinho. Talvez por causa destes últimos, exista entre nós o provérbio tão usado a 11 de novembro: "No dia de São Martinho, vai à adega e prova o vinho".

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