Nostalgia e "all that jazz"
Striptease masculino? Em Magic Mike - A Última Dança, Channing Tatum volta a assumir uma personagem atípica, desta vez a redescobrir o desconcertante poder do espectáculo. Sempre subtil, Steven Soderbergh assina a realização.
No panorama dos últimos anos do cinema dos EUA, Magic Mike é uma das franchises mais desconcertantes. A personagem central, Michael Lane - nome artístico: Magic Mike - não é um super-herói a enfrentar uma comovente crise de identidade, mas um jovem empreendedor que se especializou na arte do striptease masculino, a meio caminho entre a dança teatral e o musical cinematográfico... Steven Soderbergh dirigiu o primeiro título, Magic Mike (2012), tendo o segundo, Magic Mike XXL (2015), ficado a cargo do seu assistente e coprodutor Gregory Jacobs. Com Magic Mike - A Última Dança, esta semana em estreia global, Soderbergh retoma as funções de realizador, ainda e sempre com Channing Tatum no papel de Mike e Reid Carloni, também coprodutor, a assinar o argumento.
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Nos tempos que correm, em que qualquer observação sobre as relações masculino/feminino corre o risco de ser bombardeada por exigências panfletárias e purificadoras, convenhamos que é uma tentação descrever o universo de Magic Mike como um retrato ambíguo e paródico do estado das coisas entre "homens" e "mulheres". Ao sugeri-lo, nem sequer estou a ser original: no seu último número, a revista Time elege Magic Mike - A Última Dança como pretexto para um longo e interessante artigo, escrito por Eliana Dockterman, apostado em discutir porque é que "os filmes de Hollywood já não são sexy como costumavam ser".
A noção de "sexy", sobretudo quando encerrada numa qualquer representação da sexualidade, corre o risco de ser tão redutora como a noção de "violência" quando analisada a partir do volume de sangue que se vê numa imagem... Seja como for, as respostas de Dockterman à interrogação que formula lembram-nos como é salutar pensar estes temas sem ceder aos "valores" do moralismo circundante. Resumindo, direi apenas que ela começa por considerar que "a culpa é dos super-heróis" (já era tempo de alguém pesar os efeitos da Marvel & Cª no imaginário cinéfilo) e também da... China (porque os grandes estúdios dependem cada vez mais de um mercado cujos índices "sexy" não serão os mais acolhedores).
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Magic Mike - A Última Dança pode suscitar muitas "teses", mas vale sobretudo pela alegria narrativa com que Soderbergh retoma a odisseia de Mike. É um processo em nada estranho ao gosto do cineasta pelo misto de provocação e ligeireza que herdou do espírito clássico dos filmes de "Série B" - aliás, mesmo os seus filmes mais diretamente enraizados no sistema dos grandes estúdios (penso em Ocean"s Eleven, de 2001, e respetivas sequelas) não são estranhos à elegância formal daquele espírito.
Agora, qual cowboy cansado das suas aventuras, Mike é um stripper retirado, seduzido por uma mulher muito rica (Salma Hayek) para se reconciliar com a sua arte e dirigir um espectáculo num teatro de Londres... O que daí resulta possui a energia de um irónico conto moral sobre a criação artística, nas cenas finais lembrando o fulgor visual e de montagem de All That Jazz (1979), de Bob Fosse. À sua maneira, Soderbergh é o mais nostálgico dos modernos.

dnot@dn.pt
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