Morreu Alfredo Campos Matos, o arquiteto que se apaixonou por Eça de Queiroz

Formou-se em Arquitetura mas a paixão juvenil pela Literatura, em especial por Eça de Queiroz, nunca o largou. A. Campos Matos deixa aos estudos queirosianos um vasto legado.

Admitia ser um leitor compulsivo, em especial da obra de Eça de Queiroz, de que era, há décadas, um dos maiores e mais entusiastas especialistas portugueses. Alfredo Campos Matos, falecido no dia 5 aos 94 anos, disse-o em entrevista ao DN (15-11-2019): "É que de toda a gente que lê Os Maias, sou eu o mais assíduo leitor... se calhar no mundo. Isso não é vaidade nenhuma, sou leitor compulsivo do Eça, pronto." A mesma entrevista em que, referindo-se à viagem do escritor ao Egito (de que resultou uma reportagem sobre a inauguração do Canal do Suez, publicada no DN de Eduardo Coelho), dizia: "É no Suez que se dá a grande viragem do Eça fantasista para o Eça observador da realidade".

Embora discutíveis, como tudo o que se refere a uma das mais ricas e estudadas obras da Literatura Portuguesa, afirmações como esta baseava-as A. Campo de Matos no estudo persistente e exaustivo da vida e obra de Eça, de que resultaram alguns dos mais importantes títulos dos estudos queirosianos dos últimos 40 anos. Um estudo que fazia jus a uma nunca vencida paixão de juventude, nascida do contacto com o humor, ironia, crítica social e religiosa do romancista, como admitia numa entrevista ao jornal Correio do Porto (10/4/2016): "É um autor da minha juventude. Em 1945, comprei a biografia sobre o Eça de Queiroz da autoria de Gaspar Simões. Aquelas quinhentas e tal páginas de cultura desabaram sobre mim e nunca mais me largaram. Mais tarde fiz uma crítica minuciosa dessa biografia que tem muitos pontos fracos, muitíssimos, mas também tem uma massa informativa absolutamente colossal. Escrevi isso num livrinho que publiquei e que se chama Sete Biografias, onde incluo a de Gaspar Simões."

A Campos Matos se deve, por exemplo, a edição anotada e organizada da correspondência inédita entre o escritor e sua mulher, Emília de Castro, depositada na Fundação Eça de Queiroz. Ou ainda uma outra, compilando as cartas de amor de Anna Conover e Mollie Bidwell para Eça, desvendando facetas da personalidade do escritor que as biografias tradicionais ainda não tinham ainda mostrado. Em termos de publicações queirosianas, para Campos Matos tudo começou em 1976, com a publicação de Imagens do Portugal Queirosiano, continuando com Dicionário de Eça de Queiroz, obra de vários autores por si coordenada (publicada originalmente em 1988 e agora já na terceira edição, revista e ampliada, sob a chancela da Imprensa Nacional Casa da Moeda, em parceria com a Imprensa Oficial do Governo do Estado de São Paulo e a Academia Brasileira das Letras), Eça de Queiroz - uma Biografia (que, em 2011, lhe valeria o Grande Prémio de Literatura Biográfica da Associação Portuguesa de Escritores); Fotobiografia; Diário Íntimo de Carlos da Maia (1839-1930), de 2017; Correspondência de Eça de Queiroz (2 volumes) ; 94 Reflexões sobre Eça de Queiroz ou Construtores do meu Mundo, entre dezenas de artigos e conferências publicados em Portugal e no estrangeiro. Dedicaria ainda vários estudos ao historiador e político António Sérgio.

Nascido na Póvoa de Varzim (não por acaso, terra natal de Eça de Queiroz), em 1928, Alfredo Campos Matos não provinha, todavia (nem tinha de provir, aliás), da área dos Estudos Literários. Licenciado em Arquitetura pela Universidade do Porto, fez carreira como arquiteto e urbanista na então designada Direção Geral de Urbanização e foi bolseiro da Fundação Gulbenkian para o estudo das novas cidades e problemas de reabilitação urbana, tendo, nessa qualidade, viajado diversas vezes por países como Suécia e Finlândia, França, Holanda, Alemanha e Inglaterra. Nesse âmbito colaborou numa tarefa pioneira em Portugal, incentivada pelo seu diretor-geral, Sá e Melo, com vista à criação de uma metodologia para classificação e proteção dos centros históricos e respetivas paisagens urbanas. Realizou, assim, vários trabalhos em Alte, Fuseta (1970), Ferragudo, Praia da Luz, Évora, Olhão (1970), Ponte de Lima. No começo da sua carreira de arquiteto publicou a monografia ilustrada Algumas Considerações sobre Problemas da Arquitetura Contemporânea e Breve História da Arquitetura. Foi autor, na equipa de Costa Lobo, do plano de urbanização do Centro Comercial da base aérea de Beja, em 1964. Nessa mesma equipa realizou estudos de urbanização e trabalhos de arquitetura para Vilamoura, no Algarve. Em colaboração com Cabeça Padrão, foi ainda autor do plano de pormenor da zona de São Bento em Lisboa, em 1970.

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