Exclusivo Dorothy Arzner, uma mulher entre os homens na Hollywood clássica
A última grande retrospetiva do ano na Cinemateca Portuguesa é dedicada a uma realizadora que esteve quase esquecida no panorama do cinema clássico americano, sendo, desde os anos 1970, objeto de fascínio dos estudos feministas. É tempo de (re)descobrir Dorothy Arzner.
A única realizadora que se conhece, entre 1927 e 1943, que conseguiu impor-se a Hollywood." Eis a nota lacónica que consta sobre Dorothy Arzner (1897-1979) no Dicionário dos Cineastas, do crítico e historiador Georges Sadoul; o qual cita apenas um filme, Nana (1934), como exemplo de uma obra composta por mais 15 longas-metragens. É um exemplo curioso da lógica que regia as antigas publicações de cinema. Na página ao lado, Jacqueline Audry - tal como Arzner, uma realizadora que conseguiu manter uma produção regular, no contexto francês -, sendo conterrânea de Sadoul, teve direito à menção de todos os filmes realizados, com uma referência de destaque para o marido, Pierre Laroche, argumentista da grande maioria desses títulos. Sobre a própria lê-se apenas: "Uma das raras realizadoras francesas." Isto num dicionário que aos homens cineastas consagra quase sempre duas colunas, claramente com mais informação do que a mera listagem de filmes.
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Este desvio inicial é importante para se perceber que, de facto, ainda há uma história por descobrir fora do cânone masculino. Aos poucos, vão-se recuperando nomes de mulheres atrás da câmara, e uma excelente prova disso é a retrospetiva O Cinema Clássico de Dorothy Arzner que decorre na Cinemateca ao longo de todo o mês de dezembro, a partir de amanhã. Em rigor, será uma retrospetiva dos filmes que subsistem da sua obra (13), a que se juntam um título onde está creditada no argumento, The Red Kimona (1925), o filme coletivo Paramount on Parade (1930) e um documentário alemão de Katja Raganelli e Konrad Wickler, Pensando nas Mulheres: Dorothy Arzner (1983), que esboça a vida, o perfil e a carreira da realizadora poucos anos após a sua morte, em 1979, na sequência de um acidente de automóvel. Raganelli viajou até aos Estados Unidos, em visita à casa no deserto onde Arzner viveu os seus últimos anos, com a coreógrafa Marion Morgan, a sua companheira, e partindo do lamento pessoal de ter "chegado demasiado tarde" faz o retrato possível desta mulher - a única que assinou filmes em Hollywood na transição do cinema mudo para o sonoro.