Opinião. Segurança Social trava imigrantes legais e perde receita: um erro estratégico?
Texto: Thiago Soares*
Portugal pode estar a falhar mais do que imagina ao impor barreiras à emissão da Segurança Social para imigrantes legais e em processo de regularização. Um labirinto burocrático trava quem chega legalmente e prejudica os cofres públicos.
Desde 2024, para obter o NISS (Número de Segurança Social), o imigrante precisa apresentar um contrato de trabalho — mas, ao mesmo tempo, só consegue esse contrato se já tiver o NISS. Um ciclo absurdamente retrógrado que alimenta uma inércia institucional.
O artigo 58.º, n.º 6 da Lei n.º 23/2007, a atual Lei dos Estrangeiros, estabelece que o visto de residência deve vir acompanhado de uma pré-autorização de residência com atribuição provisória dos números NIF, NISS e SNS utente, ainda antes da chegada ao território nacional. Na teoria, isso deveria evitar qualquer bloqueio. Na prática, nada acontece: o governo simplesmente ignora essa previsão legal.
Mas há um paradoxo — ou seria ironicamente contrastante? —: enquanto cria entraves, o Estado recebe e lucra com as contribuições desses mesmos imigrantes. Em 2024, os imigrantes legais e em processo de legalização injetaram cerca de 3,6 bilhões de euros na Segurança Social, representando 12,4 % do total de contribuições. Um valor cinco vezes superior às prestações recebidas, estimadas em apenas 687 milhões €.
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No ranking nacional, os brasileiros lideram o contributo estrangeiro, com aproximadamente 37 % do montante. Ainda assim, muitos desses trabalhadores enfrentam precariedade: sem a devida regularização, veem-se forçados à informalidade — laboral ou fiscal — não por opção, mas por restrições sistêmicas.
Aqui surge o conflito central: o governo se mostra dividido — entre arrecadar e promover a regularização ou manter barreiras que impedem a entrada formal desses imigrantes. Um dilema que parece mais fruto de ignorância institucional do que de deliberado jogo político.
As consequências são claras: empresas ficam sem mão de obra, imigrantes perdem oportunidades dignas, e o Estado deixa de arrecadar ainda mais — tudo isso enquanto fecha a porta para quem está pronto a contribuir. Se a meta é integrar quem chega legalmente… por que continuar a proteger entraves que emperram o próprio sistema monetário e social?
Portugal precisa urgentemente implementar o que já está na lei: emitir os números fiscais e da Segurança Social ainda no consulado, conforme artigo 58.º. Imigrantes chegariam prontos para trabalhar e contribuir. A Segurança Social teria uma receita crescente, as empresas acesso a trabalhadores legalizados, e o país avançaria em inclusão e justiça.
No fim das contas, quem perde com esse impasse? Todos — menos o sistema, que insiste em se auto-sabotar.
*Thiago Soares advogado especialista em Direito Migratório e fundador da comunidade "Portugal é Nóis".