'Quarta Divisão': um policial português
(COM VÍDEO) Pedofilia e violência doméstica são alguns dos temas de 'Quarta Divisão', filme de Joaquim Leitão que acompanha as buscas por uma criança desaparecida. Em exibição.
Não é, ao contrário do que se tem escrito, um "policial à portuguesa", é, isso sim, "um policial português". Quem o diz é Joaquim Leitão, o realizador de Quarta Divisão, um filme português porque "passa-se cá, as personagens são claramente pessoas que a gente podia encontrar na rua. É português porque fala da realidade atual, também estão presentes a revolta e o desconforto de toda a gente, aquilo que todos sentimos neste momento."
Isso não seria novidade no realizador, mas, desta vez, Joaquim Leitão, "Quim", como lhe chamam os atores, decidiu ir um pouco mais longe no seu olhar sobre a sociedade portuguesa. "O ponto de partida era fazer um filme que fosse um policial português, sobre um tipo de agentes pouco conhecido, que são das BIC, as Brigadas de Intervenção Criminal da PSP", explica. O argumento é de Tino Navarro embora, como sempre, tenha sido desenvolvido em parceria com Joaquim Leitão. "A partir daí surgiu a ideia de centrar a história no desaparecimento de uma criança e em toda a ansiedade que isso envolve. O que distingue as BIC é que são estes agentes que estão na rua, reagem logo e há um lado muito humano, de tentar resolver as coisas o mais depressa."
Veja o trailer de 'Quarta Divisão':
O desaparecimento de uma criança de nove anos, Martim Cabral e Melo, vai mobilizar a Quarta Divisão, liderada pela subcomandante Helena Tavares (interpretação de Carla Chambel), que aciona imediatamente uma busca junto ao colégio e à casa da criança. "É filha de pessoas bastante ricas (interpretações de Paulo Pires e Cristina Câmara) e a agente vai deparar-se com várias dificuldades e perceber que aquela família tem segredos e, se calhar, o que está por detrás do desaparecimento é algo que não se suspeitaria", explica Joaquim Leitão.
A pedofilia e a violência doméstica são alguns dos assuntos abordados no filme, assim como a influência dos "poderosos" e o funcionamento do sistema judicial. "A violência doméstica é transversal. A estatística mostra-nos isso, acontece em todas as classes, em famílias muito diferentes, de alta e baixa condição, cultas e incultas", explica. "Uma das coisas que me apaixona em fazer filmes é poder fazer filmes sobre coisas que eu não compreendo muito bem. O processo de fazer o filme é uma tentativa de entrar na cabeça de outra pessoa", diz o realizador. Nesse sentido, Joaquim Leitão acredita que Quarta Divisão não é um filme "politicamente correto".
A sombra do caso Casa Pia paira sobre algumas cenas (nomeadamente as cenas em tribunal), embora o realizador garanta que não houve qualquer intenção de se referir a este caso concreto ou até de criticar o processo. Nem mesmo ao escolher interpretar ele mesmo o pedopsiquiatra que em tribunal assegura a veracidade do testemunho da criança que, sabemo-lo, é completamente falseado. "É um pedopsiquiatra que tem demasiadas opiniões e que fala demais. O meu personagem diz coisas que, de facto, eu ouvi algumas pessoas muito responsáveis dizerem na televisão, mas não é uma ironia, eu acho que as pessoas que dizem aquelas coisas estão a ser sinceras, só que estão erradas. Por exemplo ao dizerem que as crianças não mentem."
No final de Quarta Divisão é legítimo perguntar: fez-se justiça? "Cada um lerá à sua maneira."