20 dezembro 2016 às 00h28

Thomas Hampson em Lisboa, ou um grande barítono a divertir-se

Cantor lírico norte-americano traz amanhã (21.00) ao Grande Auditório da Fundação Gulbenkian o espetáculo No Tenors Allowed, concebido em parceria com o seu genro, o baixo-barítono Luca Pisaroni. No programa constam árias e duetos de ópera, opereta vienense, musical norte-americano, um medley e uma surpresa final

Bernardo Mariano

Recorda com gosto o concerto, em setembro, em que cantou com e dirigiu a Orquestra Gulbenkian num programa-Mahler: "Foi uma experiência maravilhosa. Encontrei uma orquestra muito aberta e cordata, e que aceitou com agrado o conceito de "conversação" que eu introduzi naquele repertório".

Agora, o barítono Thomas Hampson regressa à sala que considera "uma parte fundamental da minha atividade artística" para um formato bem diferente: um recital só com piano, tendo a seu lado o baixo-barítono italiano Luca Pisaroni - também seu genro. Chama-se No Tenors Allowed e pretende comprovar como, ao longo da história do teatro lírico, as vozes graves masculinas transmitem toda a gama de emoções humanas, sem necessidade do concurso adicional dos "divos" tenores: "O título é um gag, uma blague, uma pequena provocação. O Luca e eu adoramos os nossos colegas tenores e de resto nos cantores já não é "os tenores e os outros". Mas é uma chamada de atenção para o nosso repertório ao longo da história, que é bem mais interessante e rico do que se poderia pensar. E nós quisemos com este programa dar ao público mais portas de entrada para o património das vozes graves, que é interessantíssimo mas ainda pouco divulgado". Antes de terminar, reforça a ideia primeira: "Mas não há aqui qualquer animosidade contra os tenores, OK? Em todo o caso, eu prefiro ver a comunidade de cantores como um ramo repleto de bonitas flores do que como algumas rosas rodeadas de... verdura", diz, sem esconder um sorriso.

A parceria com Luca Pisaroni "é apenas mais uma. Sempre gostei de fazer concertos/recitais com outros cantores. Conheci o Luca em Salzburgo, em 2002 e já éramos amigos e partilhávamos palcos antes dele se tornar meu genro. Divertimo-nos muito em palco, gravámos recentemente umas Bodas de Fígaro [Mozart] e em maio, vamos contracenar no Scala de Milão num Don Giovanni [Mozart]".

Excerto da atuação de Thomas Hampson e Luca Pisaroni no Théâtre du Chatelêt, Paris, há dois anos:
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Esse lado da diversão, crê, será ainda mais visível em Lisboa: "o alinhamento e o plano que delineámos foi expressamente pensado para o formato só com piano [este programa é com mais frequência feito com orquestra]. Nada fica em défice por ser só com piano - aliás, acho que há até uma interação adicional entre nós, assim, porque o piano permite maior flexibilidade. Não há o colorido orquestral, mas o aspeto fulcral neste programa é a nossa capacidade de incorporarmos caráteres, personalidades diversas através do nosso canto".

E quando se fala de barítonos líricos, logo surge Verdi: "Foi decisivo para nós, sem dúvida, para os nossos enobrecimento e "emancipação". Verdi é o nosso Deus! Ele mudou as regras e transformou a forma como desde então se ouviram barítonos e baixos em ópera." E ao longo da conversa, mencionará com particular entusiasmo os nomes de Tito Gobbi, Piero Cappuccillli e Leonard Warren como exemplos de suprema realização da via aberta por Giuseppe Verdi.

Daqui por 15 dias, Thomas e Luca levam No Tenors Allowed a Istambul: "Não sou naïf e claro que estou preocupado, mas tudo está a ser acompanhado e têm-me sido dadas todas as garantias de segurança. Seria preciso algo de bem mais extraordinário para me fazer cancelar um concerto. Não concebo não ir a Istambul. Adora a cidade, tenho lá grandes amigos e o público é simplesmente fantástico!"

E cita Leonard Bernstein, "o meu mentor, que dizia: "em face da violência, façamos música com mais frequência e mais intensidade!"" Pois, diz, "as artes são uma celebração da vida e interpelam diretamente as pessoas e as suas vidas."

Aos 61 anos, Thomas Hampson é um grand seigneur do circuito artístico internacional. E apesar de ter entrado já na década que costuma ser a derradeira na carreira dos cantores líricos (com poucas exceções), Hampson não pensa ainda em abrandar: "Tenho muito respeito pela minha energia e capacidades vocais e pelo equilíbrio que aí deve haver. A questão está sempre em fazer o quê e quantas vezes. Essa equação está só ligeiramente diferente agora. Nunca tive uma carreira febril, e por isso posso afirmar ainda hoje que tudo quanto tenho marcado na minha agenda, está lá porque eu quero fazê-lo."