22 dezembro 2017 às 03h16

Taylor Swift, de flor do campo a rainha urbana

Mudou de visual, de linguagem e de terrenos musicais. "Reputation" , que já rendeu quatro singles, confirma-o.

João Gobern

Quando se procura alguém que, nos vastos domínios da música pop, foi capaz de atravessar pontes e de se reinventar, acumulando públicos, o nome de Taylor Swift acabará inevitavelmente por vir à baila. E também ao baile. No princípio, muito marcado pela sua "transferência", ainda jovem adolescente, para Nashville, a capital da country music, as maiores referências musicais da menina nascida em Reading, Pensilvânia, há 28 anos, eram Loretta Lynn e Emylou Harris, as carreiras que mantinha debaixo de olho diziam respeito aos percursos de LeAnn Rimes, Shania Twain e Faith Hill, capazes de alargar o passo até à pop. Hoje, com todo o caminho andado, Taylor passará muito mais tempo a ouvir Lady Gaga, Beyoncé ou Justin Timberlake. E, claro, o maior arquétipo das cantoras mutantes, Madonna.

O processo de transformação está bem à vista de todos: à medida que a roupa foi diminuindo, das camisas apertadas até ao pescoço, das jeans floreadas e das botas "campestres" até às saias e calções curtos e aos tops arrojados, nada foi ignorado na mudança.

Em 2009, quando o vídeo da canção You Belong with Me ganhou um prémio da MTV, o discurso de agradecimento da cantora foi bruscamente interrompido pela subida ao palco, em protesto, do rapper Kanye West. Nos nossos dias, a tímida e aflita Taylor seria perfeitamente capaz de ripostar a esse "atentado". Ou, no limite, seria mais fácil que assumisse o papel de "agressora" do que o de "vítima", de tal forma a sua linguagem - nas canções, mas também nas entrevistas - se modificou.

De um trilho lucrativo mas cingido aos parâmetros da country, a voz de Begin again foi-se encostando, aos poucos, sem necessidade de ruturas drásticas, às regras - cada vez mais soltas - da pop. A flor do campo tornou-se urbana (e depressiva, nalguns momentos, que se estendem até Reputation, disco que acabou de lançar), não mostrando grandes hesitações em chamar a sua vida, os seus romances e desilusões, ao centro nevrálgico das cantigas.

Tem todo o direito a essa exposição, um risco calculado para quem leva, agora, metade do tempo de vida entre estúdios e digressões. Taylor Swift leva mais de 40 milhões de álbuns vendidos (números que, naturalmente, ainda não contemplam Reputation) e conta com mais de 130 milhões de downloads para as canções que canta. Ganhou dez Grammys.

Foi escolhida duas vezes pela Time como uma das cem personalidades mais influentes do planeta. A Forbes apurou que, em todos os anos de 2010 a 2015, foi ela a mulher que maiores receitas angariou no mundo da música. E a Rolling Stone fez questão de lhe dar um lugar entre os cem maiores autores de canções de todos os tempos, na seleção de 2015, juntando-a a um (escasso) grupo de mulheres em que pontificaram Joni Mitchell, Carole King, Madonna, Loretta Lynn, Stevie Nicks, Chrissie Hynde, Patti Smith e Bjork. Com uma nota digna de realce: Taylor Swift era a mais nova de todas, com uma diferença nunca abaixo das duas décadas.

Manter a reputação

Não há margem para espanto quanto à expectativa que rodeou Reputation, (apenas) o sexto álbum de uma carreira vertical. A coisa ganha mais densidade ainda, quando se constata que publicações tão diversas como o New York Times, a Time, a Rolling Stone e a People são unânimes a colocar o disco na sua lista dos dez melhores de 2017.

E pensar que tudo começou com uma canção fixada na área traumática - o primeiro single, Look What You Made Me Do (novo recorde do vídeo mais visto no seu primeiro dia de YouTube, com mais de 43 milhões de visualizações), foi escrito como catarse face a uma queixa por assalto sexual que Taylor interpôs contra David Mueller, um radialista de Denver que acabou condenado e despedido.

Tudo parece servir de inspiração a Miss Swift, capaz de lidar com toda a espécie de sentimentos e de os reverter para canções. Por exemplo, a abertura, com Ready for It?, baseia-se num assumido e claro desejo de vingança. Face a quem ou a quê - eis algo que fica em aberto, não sendo difícil "encaixar" um alvo que caiba nesse papel. End Game, que conta com as colaborações do britânico Ed Sheeran e do rapper norte-americano Future, lida com outra dimensão em que Taylor se tornou perita: a da perda. Nunca escondeu, de resto, como foi afetada pelo final das suas relações amorosas com o cantor John Mayer, com o músico Calvin Harris ou com os atores Jake Gyllenhall e Taylor Lautner.

Mas nem tudo apresenta raízes no desgosto - basta recorrer às suas declarações apaixonadas e felizes em Gorgeous e, especialmente, em Call It What You Want, potencialmente a melhor das 15 canções em que esta mulher reconvertida se mostra como uma das mais sérias candidatas ao trono da pop, na vertente dançante que também destaca Beyoncé, Rihanna ou Lady Gaga.

O álbum mantém um dos trunfos que mais contribui para a popularidade de Taylor, que vai lançar-se, em 2018, numa gigantesca digressão de apoio - a simplicidade da sua escrita permite uma rápida identificação com aquilo que faz questão de dizer.

Mais do que isso, o "embrulho" das cantigas, muito dependente da eletrónica e do ritmo, não é de forma a causar um desgaste rápido. Bem pelo contrário: se Reputation rendeu até agora quatro singles (Look What You Made Me Do, Ready for It?, End Game e New Year"s Day), há muito mais por onde escolher. E uma certeza: com mais ou menos polémicas, Taylor Swift continuará a andar nas bocas do mundo, nem que seja para a cantarem. Já agora: nos pés, também, para quem goste de dançar.