O disco ao vivo de uma lenda que nunca actuou em Portugal

'Glitter and Doom Live'  regista os concertos da última digressão do cantautor norte-americano, que raramente se apresenta ao vivo, e ultimamente não tem sequer tocado nas principais cidades do seu país

Um vídeo aparece no Youtube. Vai passando de blogue em blogue, e de site em site, até se tornar mais ou menos incontornável. Surgem vídeos assim todas as semanas, mas poucos como este. Nele, Tom Waits anunciava uma digressão, Glitter and Doom, que o ia levar até 12 cidades do sul dos EUA, e depois à Europa. Estávamos em Maio de 2008 e, na Internet, os fãs norte--americanos interrogavam-se sobre o que afastara o cantor das grandes cidades. Em Portugal ainda havia fé: talvez fosse desta que Waits se estreava por estes lados. Não foi. Mais de um ano depois, chega o prémio de consolação, sob a forma de Glitter and Doom Live, gravado durante essa digressão.

É óbvio que escutar pouco mais de uma dúzia de canções captadas ao vivo, num CD, não é o mesmo que assistir a um concerto, mas neste caso os portugueses já estão habituados. Para ouvir alguém bater palmas quando Tom Waits acaba uma canção, ou se viaja até outro país, ou se ouve um registo ao vivo. Big Time, editado no final dos anos 80 pela Island, era uma das opções, bem como Nighthawks at the Diner, gravado em 1975, num ambiente intimista, com o cantautor e o público juntos nos Record Plant Studios. Fora de ambas as edições encontravam-se, contudo, as muitas canções editadas ao longo das últimas duas décadas. O novo álbum vem resolver esse problema.

Só que este Glitter and Doom Live, gravado entre o sul dos Estados Unidos, sem se aproximar das suas costas, e cidades europeias como Milão, Paris ou Dublim, não consegue (nem sequer tenta) recriar a experiência que é um concerto do carismático cantor/compositor de voz rouca e funda.

Num primeiro disco, ouvimos 17 composições, fora do contexto original, que foram recolhidas ao longo de toda a digressão e, regra geral, surgem sem uma introdução prévia. Simultaneamente, Waits ignora as anos 70 e 80, centrando-se nos últimos 20 anos da sua carreira. E ainda há um segundo disco, de seu nome Tom Tales, com 36 minutos das estórias e divagações com que o californiano da voz cavernosa ocupou os intervalos entre os temas da sua última digressão. E é este segundo disco que mais vai chamar à atenção.

Não se ouve ali o cantor/compositor amargurado, o seguidor da tradição americana que "pinta" quadros intimistas sobre tipos vencidos pela vida. Não há sinais das suas canções, entre a country e os blues, o jazz e a soul, rock de olhos postos nos sítios menos recomendáveis. Sem Seth Ford-Young no contrabaixo, Patrick Warren, nos teclados, Vincent Harry, responsável pelos sopros, Omar Torrez, à guitarra, e Casey Waits, nas bateria e outros instrumentos de percussão, ficamos então apenas com Waits e as suas histórias.

Fala-se da compra do último suspiro de John Ford através do eBay, descobre-se que "uma em cada dez pessoas é importante", e aprende-se de onde vêm expressões como graveyard shift (turno da noite, numa tradução não literal), ou dead ringer (um sósia, em português). E ainda há espaço para más piadas e histórias surreais sobre sopas de suásticas.

Ouvindo apenas Glitter and Doom Live será difícil compreender como é ao certo um concerto do norte-americano. Faz sentido. Mais que um disco ao vivo, este é uma espécie de balanço das últimas duas décadas de uma carreira sem par. Não deixa, contudo, de ser o mais próximo que muitos fãs chegarão da visualização de um concerto de um artista que, com quase 60 anos, é uma das grandes lendas vivas da pop.

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