Arménio Vieira: o cabo-verdiano que rompeu com a tradição

Foi para Cabo Verde pela primeira vez galardão literário que o secretário-geral dos escritores angolanos considera "político".

Estava na sua casa da Praia, a rever o próximo livro de poesia - que vai chamar-se O Poema, a Viagem e o Sonho - quando soube que lhe tinha sido atribuído o Prémio Camões de 2009. Arménio Vieira tornou-se assim o primeiro cabo-verdiano (e o quarto africano) a receber os cem mil euros do mais im- portante galardão literário de língua portuguesa.

"É uma honra pessoal. Eu é que sou o autor dos livros que ganharam o prémio, porque é atribuído à obra e não à pessoa", disse o escritor à Lusa, na Praia.

"Por causa de ser Cabo Verde, admiti que fosse ainda um bocado cedo. É pequeno em relação à imensidão do Brasil, que tem centenas de escritores óptimos. E Portugal também", acrescentou.

A notícia foi recebida com compreensível entusiasmo nos meios oficiais e culturais de um país com grandes tradições literárias. O ministro da Cultura, Manuel Veiga, exclamou mesmo que "já era mais que tempo" de um escritor de Cabo Verde ser distinguido com o Camões. De Arménio Vieira disse que "é um escritor/poeta da ruptura, que saiu da tradicional ladainha da terra de Cabo Verde e abriu-se ao mundo. Faz uma literatura de dissidência saudável, rompeu com a tradição e abriu-se ao mundo".

Também Germano de Almeida, um dos nomes de que há anos se falava como possível vencedor, comentou que "o prémio é inesperado, mas está bem entregue".

Arménio Vieira nasceu na Praia em 24 de Janeiro de 1941. Foi um dos elementos mais activos da geração de 60, colaborando em publicações como SELÓ - folha dos novíssimos, Boletim de Cabo Verde, Raízes e Ponto & Vírgula, além da Vértice, de Coimbra. Exerceu a profissão de jornalista no já desaparecido Voz di Povo.

Publicou o primeiro livro, Poemas, em 1981, em Lisboa. Em 2006, novo livro de poesia, MITOgrafias, seria editado no Mindelo. Pelo meio, escreveu dois romances: O Eleito do Sol (que muitos consideram a sua obra-prima), editado em 1990, na Praia e, posteriormente, em Portugal, na Vega; e No Inferno, que teve o mesmo percurso (edição cabo-verdiana do Centro Cultural Português, em 1999, e portuguesa, da Caminho, dois anos depois). Publicará em breve O Poe- ma, a Viagem e o Sonho.

O júri do Prémio Camões, que se reuniu este ano no Rio de Janeiro, demorou quatro horas a chegar à decisão. Helena Buescu, da Universidade de Lisboa, que presidiu, disse, no final, que a atribuição do prémio de 2009 "é o reconhecimento da literatura e da visão literária importantíssima" de Arménio Vieira.

Além de referir que Cabo Verde "tem uma tradição literária e cultural que merece o reconhecimento", Helena Buescu destacou que a poesia, "dentro das várias literaturas de língua portuguesa, tem uma dimensão fortíssima".

A única nota dissonante foi produzida pelo secretário-geral da União dos Escritores Angolanos. Adriano Botelho de Vasconcelos, que foi comissário político das forças armadas angolanas, denunciou o facto de as instituições literárias dos países de língua portuguesa não serem consultadas. "Enquanto isso não acontecer, esse prémio é mais político do que de apreciação de mérito", disse.

Alheio (ou não) a esta opinião, Arménio Vieira tem esperança de que a sua obra seja, a partir de agora, mais lida e estudada. Pelo menos tanto quanto as dos angolanos Pepetela e Luandino Vieira e a do moçambicano José Craveirinha, os três escritores africanos já distinguidos com o Prémio Camões.

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