Livrarias independentes queriam bons livros de portugueses

As grandes redes dominam os best-sellers. As pequenas livrarias gostavam de ter bons romances de autores portugueses neste Natal para compensar.

Se a porta secreta que está na cave da Livraria Ler, situada numa esquina do Jardim da Parada em Campo de Ourique, pudesse servir como portal para a entrada de clientes em busca de centenas de livros, as vendas nesta época de Natal deste estabelecimento seriam bem melhores. Não é que o responsável se queixe, nem que as montras tenham livros desinteressantes, muito pelo contrário, o nome da livraria corresponde exatamente à sua função, Ler, e as capas expostas fazem parar não só os habituais clientes como os que passam por ali. Não é por acaso que no seu interior tem exposto um diploma que a caracteriza como Livraria preferida de Lisboa em 2013, pois foi considerada a que melhor atendimento proporcionou aos clientes; nem que teime em manter várias iniciativas em torno de lançamentos relativos à poesia, bem como os de autores que moram no bairro e a escolhem para as sessões de apresentação dos seus livros.

Na montra da Ler estão os grandes títulos literários para este Natal. Desde a última história de amor de Nicholas Sparks a Eugeny Onegin de Puschkin ou o inédito de W.G. Sebald. Não faltam também muitos livros de História, como Os Filhos dos Nazis de Tania Crasnianski ou À Beira do Abismo de Ian Kershaw. Até a banda desenhada e os livros para crianças dividem a montra que circunda a esquina e onde se exibe um pouco do todo que está no interior do estabelecimento. Onde se encontra, discreta, a porta secreta já referida. É que houve um tempo, antes do 25 de Abril, em que certos livros proibidos eram vendidos à escondidas pelo proprietário, o livreiro Luís Alves Dias (1932-2015), memória que todos os anos volta por altura das comemorações do 25 de Abril, registada na montra com a exibição de autos de apreensão da PIDE.

A história é rápida, mesmo que tenha acontecido por muitos anos: Alves Dias vendia certos livros que as autoridades não apreciavam, sempre com algum cuidado no que respeita ao cliente que lhe perguntava sobre livros perigosos, tanto assim que nunca foi descoberto o esconderijo das obras proibidas. Porta secreta que ainda se pode abrir no auditório onde se realizam bastantes apresentações de livros, agora sem disfarce. Antigamente, a porta fazia de estante e não se reparava que era uma entrada pois havia livros à direita e à esquerda e parecia fazer parte do mobiliário.

Ora se o proibido já não existe na livraria e a porta secreta é apenas um pormenor na arquitetura, os clientes da livraria Ler entram lá para comprar os livros que estão ou não na moda. Afinal, os livreiros independentes são obrigados a fugir ao que as grandes superfícies comercializam em grandes quantidades e optar pelo que é diferente.

A Ler tem o formato de um "L", estando expostas à entrada as pilhas dos sucessos que o livreiro Alves Dias, filho do fundador, acha que vão ser os grandes sucessos das próximas semanas. São eles os vários volumes do quarteto napolitano de Elena Ferrante, a Bíblia traduzida por Frederico Lourenço, os habituais sucessos de Richard Zimler e Mia Couto, os dois novos de Afonso Cruz, bem como as memórias de um Portugal expostas no álbum LX 80, entre outras novidades estrangeiras. Neste último caso, o destaque vai para o fim da tetralogia de Carlos Ruiz Zafón, ou o romance Os Hóspedes de Sarah Waters, tal como a mais recente tradução de Philip Roth. No entanto, ao lado destes estão também os principais títulos das áreas de ciências sociais, apesar de a maioria destes últimos livros terem um espaço próprio lá mais para o interior da livraria, onde se destaca a secção dos volumes de filosofia, sociologia e biografias, num espaço onde também coexistem os grandes segmentos da atualidade: o infanto-juvenil, onde o Banana é rei; ou o apetecível conjunto de volumes bem ilustrados sobre culinária.

Como a organização da livraria é simples, quem lá entra depara-se com o que a Ler considera serem os seus grandes sucessos, predominantemente na área do romance nacional e estrangeiro, sempre numa rivalidade com o romance histórico e a História. Afinal, um dos livros que mais se vende na Ler nestes dias é o de Maria Beard, SPQR, uma narrativa passada nos tempos dos antigos romanos. Ou as novas biografias sobre Marcelo Caetano e Mota Pinto. Até a revista Granta tem lugar especial. Quanto à biografia de Cristina Ferreira, Sentir, ela não é aqui grande sucesso, mas já a de Júlio Isidro sim. Ou seja, ser uma livraria de bairro cria certas peculiaridades nas opções de compra por parte dos livreiros, e como esta já é cinquentenária, as preferências não são as mesmas que se verificam nos supermercados e grandes espaços.

Rui Anselmo trabalha na Ler há cinco anos e quantifica os números. Fica-se a saber que as vendas de Natal perfazem 30 % das do ano inteiro e que o cliente deixa sempre as compras para a última hora. Quem são estes? Na maioria, diz, gente que mora no bairro e que se conserva muito fiel a este espaço com tradição: "Os clientes mais antigos mantêm-se mas há sempre novos que vêm morar para Campo de Ourique e passam a frequentar a Ler." Há os de todas as idades, se bem que os mais velhos dominem: "Os filhos continuam a visitar-nos, tal como os casais novos que vieram morar para o bairro." Todos os clientes têm um desconto imediato de 10% em qualquer livro.

Quanto à ausência de bons livros, Anselmo lamenta que este ano não haja grandes sucessos de autores nacionais, que nesta época impulsionam sempre as vendas, como é o caso de Miguel Sousa Tavares: "Resta José Rodrigues dos Santos, mas o Vaticanum já saiu há dois meses."

Nas Avenidas Novas

Podem ter décadas de vida mas os leitores raramente têm em conta que as livrarias independentes só continuam a existir se tiverem clientes, designadamente nas principais épocas de vendas de livros como é esta em que se está. Os meses de Natal, novembro e dezembro, significam pelo menos um terço da faturação destes livreiros que não pertencem aos grandes grupos das livrarias Bertrand, Fnac e as grandes superfícies. Por isso, as apostas literárias feitas nesta época nos espaços que resistem à concorrência das grandes redes devem ser certeiras, porque são fundamentais para se manterem de portas abertas mais um ano.

Na volta que se fez por alguns dos livreiros lisboetas independentes percebe-se que o Natal não está famoso. E que o Nobel da Literatura, por exemplo, é um dos culpados pela situação, pois com a nomeação de Bob Dylan evitou-se a venda de umas centenas de exemplares do Nobel do ano, situação sempre habitual no período que se se segue ao anúncio da Academia Sueca. Bem como pelo facto de os grandes autores nacionais não terem romances de grande sucesso com incidência nas vendas deste Natal.

Jaime Bulhosa, da livraria Pó dos Livros, confirma o problema do Nobel para justificar a ausência de grandes títulos de um escritor estrangeiro este ano. Também reclama sobre o fim dos tempos em que havia grandes livros de autores portugueses, ou mesmo best-sellers de qualidade de estrangeiros que atingem vendas na ordem dos 50 mil por esta altura.

Não é que faltem bons livros este ano, diz, mas são as grandes superfícies que dominam o mercado dos principais sucessos: "Nós temos que fazer escolhas diferentes para que os leitores não nos abandonem. O 50 Sombras de Grey não funciona muito bem aqui, por exemplo."

Que escolhas diferentes são essas? É não esperar que seja um novo filão internacional a ajudar a atingir os números que as livrarias precisam para pagar as contas: "Não é que não tenhamos os grandes sucessos na livraria, só que esse é cada vez menos o perfil do nosso leitor. Por isso, somos obrigados a fazer outras opções e uma escolha própria de acordo com o que o nosso cliente pretende." Ou seja, a livraria Pó dos Livros continua a vender best-sellers, mas o género de grandes sucessos que os leitores lá vão procurar enquadra-se num outro género de leituras, de maior qualidade literária: "O novo livro do Harry Potter vende-se bem, a Bíblia traduzida por Frederico Lourenço também, tal como todos os livros da Elena Ferrante." Jaime Bulhosa acrescenta mais exemplos: "Há os nomes firmados, como o de Arturo Peréz-Reverte que acabou de lançar o romance histórico Homens Bons, ou de Richard Zimler e Valter Hugo Mãe, que têm sempre muitos leitores." A literatura lusófona nunca fica de fora, daí que na Pó dos Livros os romances de Mia Couto, Ondjaki ou José Eduardo Agualusa sejam sempre livros com potencial. Este ano, há dois que têm muita procura segundo o livreiro: o romance Bússola de Mathias Enard e o da portuguesa Isabel Figueiredo, o livro sensação A Gorda.

Em poucas palavras, a Pó dos Livros, tal como as restantes livrarias independentes, não se rege pela tabela de vendas das grandes superfícies. Para o responsável da livraria a realidade é esta: "Não temos um Top de vendas mas um anti-Top, composto por uma lista de livros que marcam a diferença e que se vendem principalmente neste género de livrarias."

A mais diferente

Aberta há vários anos em Lisboa e no Porto, a Book House é das livrarias mais específicas entre as independentes. Paula Lourenço é a responsável da livraria de Lisboa e explica essa especificidade dos leitores que entram naquele retângulo literário em pleno centro económico da cidade, dentro do Saldanha Residence: "Somos a mais diferentes das livrarias, porque o nosso cliente não está preocupado com o que se publica no país, antes demonstra muito interesse no que importamos de outros mercados e em géneros bem diversos." Ou seja, explica, o leitor da Book House quer traduções brasileiras, edições francesas, estudos ingleses, tudo isto em áreas de nicho: "Há muita procura de divulgação científica, biografias, psicologia, maçonaria, judaísmo e livros que têm o perfil do romance histórico."

Contrariamente ao que acontece nas outras livrarias independentes, a maioria dos clientes da Book House são do sexo masculino - portugueses, com hábitos de leitura, advogados, executivos e professores universitários -, mas não deixam de espantar, pois um dos segmento que também têm muita procura é o dos livros infantis. Que se destinam principalmente à oferta, e que também neste género se quer um produto diferente. "Científicos e didáticos", diz. Alerta que a procura destes livros para os mais novos não é de parte do público a que se destina, mas dos clientes habituais.

Segundo Paula Lourenço, a Book House não vende em quantidade, nem ali são grandes sucessos romances como A Rapariga do Comboio, portanto, a aposta é ter uma oferta grande na loja e poder responder em poucas horas aos pedidos que os leitores fazem: "Importamos muito e rápido e estamos sempre a mandar vir livros do nosso armazém. O nosso leitor é muito criterioso, quer resposta imediata e gosta dos descontos de 40 ou 50% que fazemos nos livros estrangeiros aos clientes habituais."

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