Leonor Teles, a menina do cinema punk
Chegou a casa ontem mas ainda contou as suas aventuras no Festival de Berlim. Depois, foi para a cama.
Leonor Teles, acabada de chegar a casa ontem só pensava em dormir. A jovem cineasta de 23 anos ainda se belisca para perceber se o prémio da Berlinale é mesmo verdade. "Quando disse que o filme era tosco e parvo não estava a gozar, Balada de um Batráquio é mesmo parvinho", diz-nos com voz ensonada já na sua terra, Vila Franca de Xira.
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Balada de um Batráquio, ensaio experimental e com rasgo "punk " sobre o fenómeno dos sapos em estabelecimentos comerciais para afastar ciganos, conseguiu mais uma página relevante no cinema português. Um Urso de Ouro na competição das curtas-metragens num dos mais importantes festivais do mundo. Leonor é a mais jovem de sempre a vencer o prémio e confessa ainda estar nas nuvens: "Foi uma surpresa muito grande, não sabia de nada. Cheguei à cerimónia sem pensar que poderia alguma vez vencer... De repente, ouço o meu nome e dou um salto na cadeira. Só me esforcei para não ter um ataque cardíaco. Foi completamente inesperado e fiquei atabalhoada, nem sabia o que haveria de dizer. O choque é tão grande que mal conseguia articular as palavras".
Ontem à tarde ainda não tinha tido tempo para se ligar à Net e perceber a dimensão do que se passou. Nem sabia que da Presidência da República tinham seguido felicitações. "É verdade? Que surreal!", diz-nos quando a informamos do gesto do Presidente da República. Surreal é a palavra que insiste para descrever tudo o que se passou a seguir ao anúncio do Urso de Ouro. Há uns anos atrás, quando tinha 18, sonhava em ser piloto da força aérea. "Acabei por ir para o curso de cinema na Escola Superior de Teatro e Cinema por acreditar que não teria estômago para a vida militar. A minha outra paixão era a fotografia, mas fui para o cinema porque é um área que permitia explorar mais vertentes da fotografia, não sendo por acaso que me especializei no ramo de imagem" diz de forma tímida.
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Filha de pai cigano, nunca teve uma vivência dentro da comunidade cigana mas Balada de um Batráquio é um filme de intervenção quanto à questão do preconceito xenófobo português em relação aos ciganos. Por isso, ela própria parte os sapos de cerâmica dentro do filme, levando a um plano literal a máxima de cinema de intervenção.
Celebração com Clive Owen
Sobre a noite de sábado lembra-se sobretudo de um prazer: ter conhecido Clive Owen, o ator inglês que foi jurado na competição das longas: "Ele foi muito simpático. Conheci-o na festa de encerramento. Curiosamente, estava sozinho num canto e fui ter com ele. Até me elogiou o casaco!". Um casaco que nas redes sociais deu nas vistas e que tem uma história: "Bem, é um simples casaco da Mango - não interessa nada a ninguém. Mas funcionou como fim de um ciclo. Eu explico: a primeira vez que o usei foi na apresentação do filme num daqueles visionamentos privados no IndieLisboa para exibidores e programadores estrangeiros, os Lisbon Screenings. Por acaso, foi nos meus anos... Na cerimónia de Berlim decidi voltar a vesti-lo assim para ser uma espécie de final de ciclo. Final entre aspas pois agora tenho ainda de o mostrar em Portugal". O IndieLisboa, em abril, deverá ser o local da estreia nacional, quanto mais não seja porque o filme é representado pela agência Portugal Film, uma agência criada pelo festival lisboeta.
Sobre o comentário de Jorge Barreto Xavier, ex-secretário de Estado da Cultura, no qual alertava que esta vaga de cinema português se deveu ao trabalho do anterior governo. A cineasta reage incrédula: "Claro, é a correr e a saltar que foi pelo Governo anterior que pusemos oito filmes em Berlim... Isso é bastante ridículo, uma tentativa de politizar o cinema. O nosso filme é o oposto disso! A invasão portuguesa no festival serve para mostrar que o nosso cinema está vivo e ainda tem cartas para dar".
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