"Bobby representa os pugilistas e tem a ver com todos nós"

'Bobby' Cassidy, Counterpuncher', o novo documentário de Bruno de Almeida, estreia-se amanhã. A história de um temível pugilista nova-iorquino, que foi cobrador da Mafia, actor, treinador e pai extremoso de dois filhos, contada pelo próprio.

Como é que descobriu o Bobby Cassidy? Já gostava de boxe e quis contar a história dele, ou foi por puro acaso?

Eu não me interesso particularmente por boxe, nem por desporto em geral. Mas em 2001 estive a fazer um documentário para cinema - que ainda não acabei- sobre pugilistas americanos reformados em Nova Iorque. Estava a trabalhar com o Nick Sandow, um colaborador meu que foi boxeur em miúdo e tinha alguma ligação ao meio. Ele tinha conhecido uns tipos e sabido de um clube onde os pugilistas reformados de Nova Iorque se encontravam uma vez por mês, o Ring Aid. Esse meu documentário lida com o facto deles sofrerem todos de punch-drunk, ou "pugilistic dementia", uma doença que advém de se levar muita pancada na cabeça. E de não terem nenhum apoio social. É o único desporto em que tal sucede nos EUA.

É um universo muito à margem.

Sim. Combatem durante 20 anos e depois desaparecem e são abandonados pelos managers, com a excepção dos grandes, como o Ali, o Tyson ou o George Foreman. Eles são muito desconfiados, mas começámos a frequentar essas reuniões e acabámos por ser aceites e por fazer parte da prata da casa. E foi no Ring Aid de Nova Iorque que conheci o Bobby Cassidy Jr., que é filho do Bobby Cassidy e um dos mais conhecidos jornalistas de boxe do diário Newsday  e consultor da HBO, um tipo importante no meio, que ficou também nosso consultor no filme.

E onde entra o Bobby Cassidy pai nisso tudo?

Nós tínhamos já feito muitas entrevistas aos pugilistas reformados e a certa altura o Bobby Cassidy Jr. disse que devíamos conhecer o pai. Pôs-se a contar a história dele, que já ia para além do boxe e eu e o Nick achámos que havia qualquer coisa de extraordinário na vida daquele tipo, embora à partida não o víssemos como tema de um filme. Fizemos-lhe uma entrevista, que está quase toda no filme, e  até pensámos a história dele poderia dar um bom argumento de ficção. Chegámos a escrever um primeiro guião, que seria interpretado pelo Nick. Durante um ano e meio saímos com o Bobby, ouvimos-lhe as histórias, fiz-lhe mais entrevistas e filmei as partes do treino  Depois, estive envolvido noutros projectos, voltei a este e acabei por não usar as outras entrevistas do Bobby porque a primeira era tão espontânea. Como já disse, isto não foi pensado como um filme, mas cada vez que olhava para a história dele, via lá tudo.

Viu que o Bobby Cassidy era representativo de todos os pugilistas, era um símbolo?

Era isso mesmo. E o Bobby também é metafórico, porque além de representar os pugilistas em geral, ele tem  a ver com todos nós.
 
A história dele não é a história de um perdedor, porque fartou-se de ganhar combates e quase que chegou ao topo.

O Bobby não é um loser, não é um perdedor. Não é um Belarmino.

E gosta de combater, não é um amargurado do boxe. 

O Bobby entrou no boxe através da luta de rua. Gostava de bater e  levou pouca pancada, porque é um counterpuncher, um esquerdino, tipo furacão. E diz claramente que o boxe é assim mesmo. Ele combateu com tipos muito importantes, teve muitas vitórias, quase que chegou ao topo da modalidade, lutou no Madison Square Garden, abriu para o Muhammad Ali.  E é uma personagem muito americana, muito típica de uma época. Estamos a falar do boxe nos anos 60 e 70, onde cada bairro working class de Nova Iorque tinha o seu clube.  É um bocado como se Alfama fosse lutar contra a Madragoa.  E ainda temos aquele lado dele ter trabalhado para a Mafia como cobrador de dívidas. Mas aqueles tipos que andaram à pancada uns com os outros durante anos, entreajudam-se de uma forma espantosa, fazem peditórios para pagarem o médico ou o dentista uns aos outros. O boxe tem isso de interessante. Por um lado, é  crueza e violência e pelo outro, é muito afectivo, de emoções, solidário. 
 
Esse lado humano está também presente na relação do Bobby Cassidy com os filhos.

Temos ali um pugilista que trabalhou para a Mafia mas que é também um pai extremoso com uma enorme capacidade para amar. Ele tem essa dualidade, é um tipo que esteve metido no submundo a sério e ao mesmo tempo levava os miúdos à escola e telefonava da cadeia para se assegurar que eles iam aos treinos. É um pai modelar. E proibiu os filhos de se dedicarem ao boxe. Podiam praticar todos os desportos, menos boxe. Eles iam com ele ver os combates, assistiam aos do pai e gostam de boxe, mas não podiam praticá-lo. É também assim que o Bobby Cassidy demonstra o seu amor pelos filhos.

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