Tribunal vai começar a julgar inelegibilidade de Bolsonaro
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) marcou para quinta-feira dia 22 o julgamento que deve tornar Jair Bolsonaro inelegível pelos próximos oito anos, ou seja, as presidenciais de 2026 e de 2030, além das eleições municipais que se disputem no período, e, dessa forma, condicionar a política do Brasil ao retirar de cena um dos seus principais protagonistas. Como a batalha jurídica é dada como causa perdida, o Partido Liberal (PL), formação a que Bolsonaro pertence, estuda utilizar o ex-presidente como aglutinador de votos em torno de um sucessor. Mas qual?
Primeiro a ação: os sete membros do TSE vão julgar se uma reunião com embaixadores promovida por Bolsonaro em julho de 2022 com o objetivo de atacar, sem provas, o sistema de voto eletrónico usado no Brasil, configura "abuso de poder político" e "uso indevido de meios de comunicação", conforme se lê na ação enviada ao tribunal pelo PDT, partido do então candidato Ciro Gomes.
Bolsonaro, ainda presidente na altura, usou o Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência da República, dinheiro público e a televisão estatal para "difundir inverdades e distorções e influenciar indevidamente o eleitorado", segundo a Procuradoria-Geral da República.
Os aliados de Bolsonaro apostam no adiamento do julgamento, com pedidos de releitura do processo e outros expedientes protelatórios da autoria de Nunes Marques, o juiz do TSE mais próximo do ex-presidente, mas a cúpula do PL já não tem dúvidas de que o resultado, seja ele conhecido nos próximos dias ou nos próximos meses, será desfavorável.
"Jair Bolsonaro já sabe que perdeu", escreve Thais Oyama, colunista do UOL e autora do livro Tormenta, O governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos. "No círculo próximo do ex-presidente, incluindo advogados, ninguém aposta que o resultado do julgamento do TSE, marcado para o dia 22, seja outro que não o da decisão pela sua inelegibilidade e Bolsonaro vem sendo "preparado" para esse resultado desde que voltou dos EUA", afirma. "Ao contrário do que ocorreu nas eleições presidenciais, quando, convicto de que venceria, mergulhou num quadro depressivo com a derrota, o ex-capitão, desta vez, não será apanhado de surpresa".
Bolsonaro e o PL já planeiam, por isso, as eleições municipais de 2024 sob o mote de suposta "perseguição política". "A ideia é que, com esse cenário, sejam transferidos ainda mais votos para quem Bolsonaro apoiar na eleição municipal do ano que vem, a intenção do PL é aumentar o número de cidades geridas pelo partido de 300 para mil", escreveu a colunista Bela Megale, de O Globo.
E o partido prepara também as presidenciais de 2026 sem o inelegível Bolsonaro e, talvez, sem Lula, que em campanha prometeu não concorrer à reeleição. Por isso, o caminho da sucessão já começou a ser trilhado pelo PL, cujos spots publicitários das últimas semanas nas televisões brasileiras tornaram Michelle Bolsonaro, a ex-primeira-dama e atual presidente do PL Mulher, uma protagonista.
Apesar de envolvida no caso das joias sauditas desviadas pelo marido do acervo presidencial para a própria casa, Michelle continua a ser aposta pessoal de Valdemar da Costa Neto, o presidente do PL, que a vê com potencial eleitoral, ainda para mais apoiada pelo marido.
"Se Bolsonaro não for candidato, nós temos a Michelle, no lançamento [da candidatura de 2022] do Bolsonaro no Maracanãzinho, ela revelou-se, por isso, se ele for candidato, será um fortíssimo candidato, se ele não for candidato, será mais forte ainda, porque esse movimento de direita veio para ficar", disse Costa Neto ainda antes do caso das joias.
Outros nomes, no entanto, se perfilam para empunhar a bandeira do "bolsonarismo sem Jair". Desde logo, o do candidato derrotado a vice-presidente Walter Braga Netto, general que assumiu o cargo de secretário de Relações Institucionais do PL, erigiu o observatório político do partido, centro de elaboração de propostas de oposição ao governo Lula, e já viaja pelo país a acompanhar Michelle. Visto como quadro relevante, Braga Netto pode concorrer à prefeitura do Rio de Janeiro no próximo ano para ganhar corpo para o pleito presidencial de 2026.
Já no palco político, os governadores Tarcísio Freitas e Romeu Zema, do Republicanos e do Novo, partidos na órbita do PL, também são naturais "candidatos a candidatos". O primeiro conquistou o governo de São Paulo, o mais populoso e rico do país, batendo Fernando Haddad, hoje ministro das Finanças de Lula, e, com perfil técnico e realizador, é visto como principal expoente da face mais palatável do bolsonarismo.
Mas tem contra si o facto de estar em primeiro mandato, sob pressão de tentar a reeleição, ao contrário de Zema, a cumprir o segundo, e, por isso, livre para assumir o desafio nacional em 2026.
O pessimismo de Bolsonaro quanto ao seu futuro eleitoral não se resume, entretanto, à ação relativa à reunião com embaixadores para relatar fraudes sem provas. Ele é alvo de outras 16 investigações no TSE.
Entre as quais o uso eleitoral de programas sociais durante a campanha eleitoral, como a antecipação da transferência do benefício do Auxílio-Brasil e do Auxílio-Gás; aumento do número de famílias beneficiadas pelo Auxílio-Brasil; antecipação de pagamento de auxílio a camionistas e taxistas: programa de negociação de dívidas com bancos públicos, entre outros.
Enfrenta ainda denúncia do PT de uso pela criação de um "ecossistema de desinformação" formado por perfis bolsonaristas a partir da estratégia digital do vereador Carlos Bolsonaro, além de três ações sobre uso eleitoral do desfile de 7 de Setembro, no ano passado, durante as comemorações do bicentenário da Independência, na presença do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.
Outras três ações apuram se o ex-presidente cometeu abuso durante viagens oficiais para o funeral da rainha Isabel II e para a ONU. Há ainda mais três ações a contestar a utilização do Palácio da Alvorada para a campanha eleitoral, por meio de lives e eventos, uma denúncia de tratamento privilegiado da emissora de direita Jovem Pan durante o período eleitoral e mais uma por suposta campanha paralela protagonizada por empresários, pastores e entidades religiosas.
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