Os EUA aqui tão perto
Há duas amigas a deambular pelos corredores, ora espantando-se de encontrar aqui o que só conhecem dos filmes, ora rindo dos tamanhos XL (ou «familiar», como explicará mais adiante Graça Costa, a gerente da loja), ora não resistindo às guloseimas e aperitivos made in USA - que, comentam, serão consumidos compulsivamente num claro e assumido atentado à linha.
Há um senhor num elegante sobretudo azul-escuro que se dirige decidido à prateleira dos molhos, põe no cesto algumas variedades da Jack Daniel's, acerta contas e sai.
Há um pai e um filho crescido que se deleitam com os vários produtos que parecem reencontrar aqui e dos quais nitidamente guardam boas recordações.
Há o grupo de adolescentes que se alvoroçam, exclamando «isto é tão bom», diante da enorme variedade de M&M's e marshmallows.
Há a mulher extasiada, como se se tivesse cruzado com a Mona Lisa em pessoa, diante das latas de sopa Campbell"s, elevadas nos anos setenta do século passado a ícone da pop art por Andy Warhol e agora ali, em frente dos olhos, palpáveis, usáveis, comestíveis.
A loja americana Liberty, no Largo de São Sebastião da Pedreira, em Lisboa, é, no entanto, um simples supermercado de bairro. Os mesmos corredores, as mesmas prateleiras, duas caixas, dois funcionários, uma gerente. O conteúdo é que é único. Com uma imagem de Nova Iorque by night como pano de fundo, pelas prateleiras distribuem-se cerca de mil variedades de produtos importados diretamente dos EUA. Alguns, poucos, já estão à venta em Portugal, como as bolachas Oreo. Existem, «mas não são a mesma coisa», garante o açoriano Pedro Teixeira, que, com os três irmãos Mário, Alexandre e Carlos, é sócio-gerente da Island Import, empresa a que pertencem as Liberty American Store: «As Oreo de cá e de lá não são iguais, a marca sim, mas o sabor não. Garanto-lhe. Se provar umas e outras vai perceber.»
A família de Pedro Teixeira partilha a história de muitos açorianos, numa versão muito bem- sucedida. Quando eram miúdos, na década de 1960, partiram com os pais em busca de melhor vida nos EUA. Lá viveram alguns anos, mas as saudades da terra trouxeram-nos de volta ao arquipélago. Os pais - para a geração mais nova o sonho americano continuava por concretizar. Três dos irmãos - Pedro, Carlos e Mário - regressaram ao país onde cresceram para estudar e trabalhar. Albany, Nova Iorque, foi o destino. Carlos ficou. Mário voltou 12 anos depois. Pedro «aguentou» o dobro: «Fui para lá estudar programação informática, que nos anos oitenta ainda era com cartões perfurados. Dois anos depois desisti do curso e formei-me em técnico de automóveis. Trabalhei nessa área uns anos e depois envolvi-me num franchise das cafetarias Dunkin Donuts, com o qual estive 18 anos. Tinha sete lojas. Levantava-me às cinco da manhã e trabalhava até às dez da noite.» Pedro Teixeira, 49 anos, é cidadão americano e já votou eletronicamente em Obama. «O outro é um cowboy, não acha?», pergunta, bem-disposto. Duas décadas de trabalho, trabalho, trabalho que deram frutos. Hoje, a família Teixeira tem vários negócios em São Miguel, da construção civil ao turismo, passando pelo Aviários da Ribeira Grande, a cargo do irmão Alexandre que não saiu da ilha, e a importação, centrada nas Liberty American Store.
A ligação entre os Açores e os EUA é forte. Grande parte da emigração portuguesa para aquele país é oriunda do arquipélago, onde está sediada, na Terceira, a americana Base das Lajes. Foi, portanto, quase naturalmente que os irmãos Teixeira perceberam a vantagem comercial de importar produtos dos Estados Unidos que não existiam cá. «Nos anos noventa começámos a mandar produtos para Portugal. O hipermercado Solmar, em São Miguel, foi o nosso primeiro cliente. Depois decidimos expandir a distribuição a todo o arquipélago até que, em 2004, feitos alguns contactos com grandes distribuidores nacionais que não deram em nada, resolvemos avançar por nossa conta e risco e abrir a Liberty American Store, na Ribeira Grande, em São Miguel.»
A expansão continuou nos Açores, com mais uma loja em Ponta Delgada, outra na Terceira e outra em Santa Maria. Hoje, têm três espaços nas ilhas. A conquista do continente iniciou-se este ano, com a abertura da loja de Lisboa, no final de março, e da loja do Porto, ainda neste mês de novembro, no Via Santa Catarina. «Esperamos que seja um grande sucesso, como está a ser em Lisboa», diz Pedro Teixeira. «Temos estado a investir, a apostar e a expandir, apesar das dificuldades do país, que são muitas. Mas não se pode parar, é preciso animar a economia, manter e criar postos de trabalho. Só vejo medidas de austeridade e ninguém fala em injetar dinheiro na economia portuguesa, que é o que faz falta. Não é preciso ser economista para saber isso.»
Em Lisboa, Graça Costa, também açoriana, há 12 anos no continente, faz as honras da casa, com um sorriso disponível. «Faço questão de que aqui o atendimento seja personalizado. E as pessoas percebem e apreciam. Um sorriso não faz mal a ninguém. E esse é um dos aspetos que marca a nossa diferença». Os outros mil estão dispostos nas muitas prateleiras ao longo dos três corredores da loja. «O que as pessoas procuram aqui é o que não existe em Portugal, nem nas grandes superfícies. Mas a grande, grande loucura é tudo o que tenha manteiga de amendoim: os M&Ms, os cereais Lucky Charms, os Reese"s Peanut Butter Puffs. Também vendemos imensos cup noodles. Os refrigerantes Dr. Pepper, a que cá chamam coca-cola de cereja, mas não é, também são um sucesso. Assim como os molhos da Jack Daniel's e o xarope para panquecas Aunt Jemima.»
Numa época de crise, Graça Costa diz não ter razões de queixa. As vendas são boas e todos os dias chegam novos clientes. Vêm à experiência, trazidos pela curiosidade, mas regra geral voltam. «É engraçado que muita gente vem cá com a ideia dos filmes. Há pessoas que não têm possibilidade de viajar, mas têm o imaginário americano do que veem no cinema e na televisão. E entrar aqui é um pouco como viajar. Temos clientes que entram e dizem mesmo que parece que estão noutro mundo.» Para quem está em Lisboa, a passagem não é aérea, é subterrânea. Paragem: São Sebastião da Pedreira.