São poucos, mas não deixam de incomodar Putin. Tiveram um papel relevante nos anos de Ieltsin e vão, aqui e ali, furando a propaganda glorificadora do regime, expondo mentira, ilusão e encobrimento. Alguns, como Boris Nemtsov, pagaram com a vida o atrevimento. Há dias foi publicado um relatório póstumo sobre o plano de Putin na Ucrânia, depois de Nemtsov e a sua equipa terem exposto a corrupção dos Jogos Olímpicos em Sochi. Podemos levantar dúvidas legítimas sobre o conteúdo do relatório, desde logo quanto a um excessivo recurso a fontes abertas. Mas há aspetos a reter: um, o trabalho resulta também de depoimentos de militares russos envolvidos na guerra e de familiares seus; dois, a persistência desta oposição liberal prova a clivagem que subsiste entre ocidentalistas e nacionalistas, marcante nos anos de Ieltsin e fator de ascensão de Putin. Mostra, ainda, que a ideia de anexar a Crimeia é prévia ao argumentário do Kremlin, a qual deu jeito para encobrir a queda de popularidade de Putin após as marchas que invadiram Moscovo em 2012 e 2013. Ou seja, muito mais do que a reposição do orgulho russo, foi um mecanismo de restituição de poder pessoal. Os enormes custos da anexação e as sanções euro-atlânticas são o resultado deste egocentrismo. O relatório Nemtsov expõe, ainda, o encobrimento do regime aos mais de 200 soldados russos mortos na frente leste ucraniana, a recompensa dada às famílias e a obrigatoriedade do seu silêncio, provando o envolvimento direto do Kremlin na invasão de um país soberano, com custos económicos incomportáveis, e o incómodo em assumir o regresso dos caixões russos. Tudo pela consolidação de poder de um mitómano, não pela restauração da imponência da Rússia, que está hoje mais isolada no Ocidente e fragilizada na relação desigual com a China. Têm a palavra os discípulos de Nemtsov.