Nova Rota da Seda da China é alternativa às dos séculos XIII e XVI -- académico
"Quando a China apresenta esta nova estratégia, diz que quer construir uma ponte e ao mesmo tempo uma estrada. A ponte é terrestre e a estrada é marítima", assinalou em declarações à Lusa no decurso da conferência "Dinâmicas e Interações na Eurásia" promovida pelo Instituto de Defesa Nacional (IDN) em Lisboa, associada ao Curso de Estudos Avançados sobre a Eurásia.
"A Nova Rota da Seda é uma alternativa da China às rotas de Marco Polo e de Vasco da Gama", assinalou.
"A ponte em terra e a estrada no mar é em si suficientemente curioso para não se perguntar o que quer verdadeiramente a China. Julgo que a China quer ter a proteção da massa continental euro-asiática, que a torne mais independente do mar, sobretudo do Pacífico", disse.
Na perspetiva do académico, a primeira intervenção de um debate moderado por Luís Tomé, professor da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL), Pequim pretende dominar a rota percorrida por Vasco da Gama (ao longo da costa africana) por dois motivos.
"Em primeiro lugar porque quer controlar na Índia, o seu verdadeiro adversário regional, e em segundo lugar quer surgir perante a Ásia como capaz de desafiar os Estados Unidos, porque a ambição da China é ser o centro da Ásia".
E quando se avolumam as perspetivas de confronto entre estas duas grandes potências em diversas áreas, Félix Ribeiro acredita que nunca entrarão em confronto direto "porque felizmente são ambas potências nucleares", mas "vão infernizar-se uma à outra".
Neste cenário, não exclui críticas à abordagem de Washington face à China, e também face à Rússia, que permanece um ator decisivo para a consolidação da estratégia de Pequim, devido em particular à sua colossal dimensão continental.
"Os Estados Unidos trataram os derrotados da Segunda Guerra Mundial, Alemanha e Japão, de uma forma absolutamente extraordinária, transformaram-nos nos seus principais aliados nos seus respetivos territórios", recordou o académico.
Após ao fim da União Soviética, considera, Washington deveria ter optado por uma posição memos assertiva.
"Os Estados Unidos deveriam ter a mesma memória, que o fundamental quando se derrota alguém é saber o que se faz a seguir. E sobretudo quando não foi uma derrota de invasão, não houve um tiro, foi uma implosão", defendeu.
"Se o Presidente George Bush pai [no poder entre 1989 e 1993] tivesse mantido mais um mandato, nunca teria feito o que Bill Clinton fez, que foi acelerar a adesão dos países de Leste à NATO com aquela rapidez. Clinton quis mostrar que era tão Republicano como os Republicanos, quer na economia quer nas relações externas. Julgo que foi uma política desastrosa", considerou.
O professor e investigador do ISCSP Marcos Faria Ferreira, que abordou o tema "Água, cooperação e conflito na Ásia Central", Helena Rego, académica e funcionária do SIRP [Sistema de Informações da República Portuguesa] com a intervenção Perceções em torno da Rússia", integraram os cinco intervenientes num debate que se prolongou por mais de três horas.
As "Relações Alemanha-Rússia" estiveram no centro da intervenção de Patrícia Daehnhardt, investigadora do IPRI-Instituto Português de Relações Internacionais e professora na Universidade Lusíada, que não ignorou a "ambiguidade" da atual situação.
"Há uma certa ambiguidade, mas da parte dos alemães dizem que uma coisa é o panorama político, mas que existe uma relação essencialmente comercial, de salvaguarda de acesso aos recursos energéticos da Rússia, e fazem essa separação, que numa perspetiva externa leva a que a Alemanha possa ser criticada nesse domínio", frisou em declarações à Lusa, e numa referência ao projeto Nord Stream II, que vai transportar gás russo para a Europa e já implicou a ameaça de sanções por parte dos EUA a empresas europeias.
"No domínio político a Alemanha tem mantido uma coerência desde 2014 [após a anexação da Crimeia pela Rússia e a guerra no leste da Ucrânia], na perspetiva da Alemanha sempre encarou a relação bilateral com a Rússia numa perspetiva de uma relação 'sui generis', mas mudou a sua posição, apoiada pela chanceler Ângela Merkel e pelos sociais-democratas do SPD", precisou.
A académica assinala que o Governo de "grande coligação" na Alemanha apoiou o endurecimento dessa posição, denunciou uma violação do direito internacional e considera-se "justificada" nessa sua liderança de uma resposta Ocidental de aplicação de sanções a Moscovo logo a partir de 2014. Uma liderança em conjunto com os Estados Unidos, "mas efetivamente foi a Alemanha que liderou essa resposta", disse.
"As ações da Rússia na Crimeia em 2014 não mudaram apenas o tom, mas também a posição. Reconhecendo que é importante, houve aqui uma alteração. Em 2010 houve um encontro entre Merkel e o então Presidente russo Dmitri Medveved numa tentativa de se criar uma nova arquitetura de segurança, e sempre houve essa preocupação de 'como vamos integrar a Rússia'".
No entanto, Patrícia Daehnhardt considera que esta perspetiva de "integração" não está totalmente excluída, e compara os reflexos da dimensão política à dimensão comercial, "onde entre 2013 e 2017 houve uma diminuição considerável do volume de comércio", mesmo que em 2018 voltou a aumentar.
"Mas existe ainda a dimensão energética, e aí a Alemanha refere ser absolutamente fundamental, porque do gás natural que é importado da Rússia para a Europa, 38% a 40% é depois distribuído na Europa, não fica apenas na Alemanha. E aí, a Alemanha diz que é uma questão de interesse europeu", acrescentou.
A "manutenção da pressão" sobre Moscovo, e a preservação da convergência a nível interno, e do Ocidente, são aspetos que deverão prevalecer, apesar de a académica detetar a delicada posição alemã neste contexto, com as alterações da política externa norte-americana com Donald Trump na Presidência, e a pressão que exerce sobre as opões das empresas energéticas alemãs e europeias, em particular em torno do projeto Nord Stream II.
"A posição da Alemanha está a tornar-se mais difícil para a sua política externa. Em última instância, a política externa e as visões estratégicas da política externa deveriam ser bastante mais aprofundadas e desenvolvidas, e é isso que falta um pouco à Alemanha", considerou.
Antes do período de debate a última intervenção foi da responsabilidade de Carlos Gaspar, investigador do IPRI em torno do tema "Rússia e Segurança Europeia".
E ao extrair uma das consequências do que definiu como "ofensiva da Rússia contra a segurança europeia", assinalou a perspetiva de uma "dependência excessiva" da Rússia em relação à China.
"Uma dependência excessiva que provavelmente terá efeitos importantes internos entre as elites russas, entre as escolhas que se vão impor a estas elites", disse.