Em 1904, os três edifícios gémeos (os números 86, 90, 94) construídos pelo banqueiro Cândido Sottomayor (o mesmo que mandou erguer o palácio com o seu nome na Avenida Fontes Pereira de Melo), na Avenida Duque de Loulé, ao Marquês de Pombal, eram "os melhores prédios de rendimento e habitação em Lisboa". Hoje, estão quase abandonados, apesar de as fachadas imponentes de linha arte nova teimarem em querer provar o contrário. Jorge Fonseca é advogado e mantém o escritório no rés-do- -chão do número 86. É um dos três resistentes. É ele que conta as histórias destas casas. As 13 (treze!) assoalhadas que ocupa já conheceram dias de grande actividade. "Era um escritório com muitos sócios. Hoje, reduziu a actividade", diz enquanto percorre o longo corredor, de uma casa com 300 metros quadrados de área e 28 euros de renda. .Pé-direito alto, salas com tectos decorados com estuques de inspiração neo-renascentista e boiseries na lareira, em perfeito estado de conservação, testemunham a riqueza de uma burguesia que se instalou no início do século XIX. Por volta de 1970, Jorge Fonseca entrou pela primeira vez neste edifício. "Enquanto estudante. Depois fiquei como advogado." Não se lembra dos nomes de ilustres vizinhos, mas recorda que eram "juízes ou comerciantes". Gente desafogada, com filhos. "Ainda há alguns anos viviam no segundo andar duas senhoras viúvas." Agora estão na casa de familiares mas mantêm o seu domicílio aqui. Ao longo dos anos, muitos apartamentos acolheram empresas e escritórios. Os três prédios foram comprados por uma empresa do grupo Bernardino Gomes. Mas, até agora, apenas um cartaz de um empreiteiro especializado em fundações colocado numa fachada denuncia alguma movimentação. Maria Cabeleira é porteira há 20 anos e trata destes três prédios. "Até que me digam para ir embora", conta-nos. E acrescenta: "Isto já esteve para ser tanta coisa, e eu já ouvi tanta coisa! De hotel a condomínio. Mas até agora não fizeram nada. Um projecto aqui é caro.".Em 2005, deu entrada na CML um "pedido de ampliação" destes imóveis que poderá incluir a destruição integral dos ricos interiores, conforme alerta o Fórum Cidadania LX. Aliás, a história destes três prédios não difere muito das de, pelo menos, mais oito imóveis notáveis desta artéria: quase todos têm processos de obras e, até de demolição, pendentes na câmara. Porém, apenas os prédios gémeos estão habitados. .Manuel Salgado, vereador com o pelouro do Urbanismo na Câmara de Lisboa, espera ir "a tempo de inverter a situação na Duque de Loulé, uma avenida que já teve Prémios Valmor demolidos". Esta câmara está empenhada nisso, sublinha, lembrando que "com as demolições se perde a memória da arquitectura". Não será preciso criar novos mecanismos legais para impedir mais destruição "porque a legislação existente chega". É preciso que seja cumprida. "Se assim for, conseguiremos ainda salvar muitos prédios", salienta. É claro que, de acordo com o vereador que também é arquitecto, "em alguns casos a demolição será inevitável mas, mesmo assim, tentaremos que as fachadas se mantenham e que a viabilização de novos edifícios ou dos que resultam da reabilitação não passe apenas pela construção de mais área e mais volumetria". No caso dos três edifícios construídos pelo banqueiro Sottomayor, Salgado considera que em vez de se demolir, "é sempre possível rentabilizar, subdividindo áreas". Entretanto, a autarquia está a fazer o levantamento de todos os edifícios que ali têm processos de demolição.|