Longe, na Lua, acendem-se os picos da luz eterna

O concerto em Washington D.C. intitulou-se "NSO Pops: Space, the Next Frontier". Na noite de 1 de junho de 2018, a celebração do 60.º aniversário da NASA, levou a palco a Orquestra Sinfónica Nacional dos Estados Unidos. Momento para entregar ao público uma peça musical nascida em 1905 do génio do compositor francês Claude Debussy. "Clair de Lune", um dos quatro movimentos da "Suite bergamasque", soou no Kennedy Center a par com a projeção de arrebatadoras imagens digitais da Lua. O filme, criado por Ernie Wright, especialista em sistemas gráficos, animou a evolução de um dia do satélite natural da Terra. Ali estava um outro mundo, com uma escala de tempo díspar daquela que conhecemos no nosso planeta..Um dia lunar dura o equivalente a 29,5 dias terrestres, com a região equatorial do astro iluminada 15 dias terrestres, seguidos de outros tantos dias mergulhados numa longuíssima noite. No serão que celebrou o sexagésimo aniversário da NASA, as imagens compostas por Wright resultaram dos dados obtidos com o Lunar Reconnaissance Orbiter (LRO). A 18 de junho de 2009, uma sonda espacial encetou o caminho de quatro dias rumo à Lua a partir de Cabo Canaveral, na Flórida. A missão levava, entre outros objetivos, o mapeamento completo do astro, a investigação de potenciais locais de pouso para missões futuras e a localização de eventuais recursos para exploração, como a preciosa água. Na sua viagem em direção à Lua, a LRO carregava 1,6 milhões de nomes de humanos, codificados num microchip, numa ação de marketing da NASA para aproximar os terráqueos dos mistérios das estrelas..A 2 de julho de 2009, a Terra recebeu o primeiro mapa 3D da Lua endereçado dos sistemas da LRO. Perante olhos humanos materializou-se uma região nas terras altas lunares, a sul do Mare Nubium (Mar das Nuvens), uma vasta região de 715 Km de diâmetro de solo escurecido, resultado de primevas erupções vulcânicas. Um mar mítico localizado nas proximidades do Oceanus Procellarum, o Oceano das Tormentas. O lugar revestia-se de significado. Em 1969, a missão Apollo 12 ali pousou (mais especificamente na cratera Surveyor), com os astronautas Pete Conrad e Alan Bean a encetarem um passeio lunar. A missão que levou o módulo Intrepid até à superfície da Lua, tocou num imenso mar de basalto a estender-se perto de 2.500 Km no eixo norte-sul. Mais de quatro milhões de quilómetros quadrados de solo escuro a ocupar perto de 10% da superfície da Lua..Nos anos subsequentes ao seu lançamento a LRO revelou novos dados sobre o satélite natural da Terra com a sua dinâmica intrigante: o encolhimento gradual da Lua. A LRO levava, ainda, uma outra tarefa, a de responder a um dos enigmas que há séculos pende sobre o astro companheiro da Terra: a existência do hipotético pico da luz eterna, um ponto elevado que permanece continuamente exposto à luz solar. Tal pico tem de responder a diferentes características: situar-se a uma latitude adequada, ser uma elevação com considerável altitude e estar num corpo astronómico com inclinação axial muito pequena..DestaquedestaqueAs ilhas de picos de luz apresentavam-se expostas à luz solar 70 a 90% do ano lunar..Em 1837, os Wilhelm Wolff Beer e Johann Heinrich Mädler, astrónomos alemães, postularam a existência de tais picos de luz eterna. A dupla que traçou o primeiro mapa de Marte, em 1830, escreveu então sobre as imaginadas montanhas polares da Lua, no livro Der Mond (A Lua): "muitos desses picos têm (com exceção dos eclipses causados pela Terra) luz solar eterna". A dupla desenvolveu um colossal esforço para criar um sistema de nomes e posições sistemáticas de características lunares. A Beer e Mädler também se deve a representação mais detalhada da Lua até à época, o Mappa Selenographica, um atlas lunar publicado entre 1834 e 1836 em quatro partes..Quatro décadas após a publicação de Der Mond, um dos pioneiros europeus da astronomia, o francês Camille Flammarion deteve-se sobre estes picos num livro que se tornou um êxito de vendas, Astronomie Populaire, Description Générale du Ciel (Astronomia Popular, Descrição Geral do Céu). Flammarion apontava aos polos para aí situar a existência destes picos eternamente tocados pela luz solar. Naquelas regiões do satélite natural da Terra, a iluminação é um fenómeno complexo. Ali a luz solar interage com uma topografia com grandes variações, o que propicia condições extremas de iluminação, com áreas abundantemente tocadas pela claridade, enquanto outras permanecem numa infinita sombra..A existência de um pico de luz eterna na Lua, ou noutro astro, traria vantagens na exploração espacial e eventual colonização futura do espaço. Um dispositivo elétrico ali localizado receberia energia solar independentemente do dia do ano e da hora do dia, numa região com temperatura relativamente estável. O desenvolvimento da exploração espacial a partir da segunda metade do século XX, entregou, já no século XXI, a diferentes missões, o objetivo de determinar a existência do hipotético pico de luz eterna. O satélite SMART-1, da Agência Espacial Europeia (ESA), a sonda Clementine, da NASA, a sonda japonesa Selene, mapearam em diferentes momentos os polos lunares como forma de identificar potenciais locais de luz eterna..Com base em imagens da missão lunar Clementine, uma equipa da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, sugeriu que um quarteto de locais ao longo da borda da cratera Peary, no Polo Norte lunar, seriam fortes candidatos a picos de luz eterna. Contudo, a hipótese era falha de observações no inverno polar, quando a iluminação destes picos é deficitária da luz do Sol, baixo no horizonte. Posteriormente, dados da missão Selene determinaram que um pico na cratera Peary recebia luz solar 89% do ano lunar. Do Polo Norte lunar para o Polo Sul, uma enorme depressão no terreno, com diferenças de altitude que atingem os 16 Km, suscitou o interesse dos astrónomos. As condições topográficas foram analisadas por equipas da NASA e da ESA para revelar um pequeno número de cristas generosamente iluminadas, distando 15 Km do Polo Sul. As ilhas de picos de luz apresentavam-se expostas à luz solar 70 a 90% do ano lunar. Entretanto, estudos que combinaram imagens das missões Clementine e Selene revelaram dois pontos numa crista da cratera de Shackleton iluminados 94% de um ano lunar..Seria, contudo, a missão LRO, com o seu mapeamento de 98% da superfície lunar, a trazer uma resposta efetiva à pergunta com perto de 200 anos. Nenhum ponto da Lua recebe luz perpétua, durante o inverno e verão lunares, embora existam pontos elevados, nas bordas de crateras, que contam com longos períodos de luz solar. O mesmo é dizer, iluminados 94% do ano lunar, com um período máximo de eclipse de 43 horas..Em contraponto a estes pontos perpétuos de luz, a rotação elíptica da Lua face ao Sol, muito baixa, concorre para que o astro-rei se mantenha próximo da linha de horizonte nos polos lunares. Desta forma, o Sol nunca se eleva acima das bordas das crateras existentes nessas regiões. Ali, no fundo negro dessas depressões vinga a escuridão eterna e um frio tremendo. Mapas térmicos revelaram algumas das temperaturas mais frias conhecidas no sistema solar, com uma média de -180 ºC. Um polo de frio que também trouxe uma mensagem de esperança com a existência de hidrogénio, o que sugere a presença de água em estado sólido..dnot@dn.pt

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