INTRUSOS NO UNIVERSO DAS CRIANÇAS
Costuma haver um estendal no atelier. Ilustrações presas por molas a um cordel que vai ficando cheio à medida que a história vai avançando. O estendal é um livro. Reconta, interpreta, ilustra a narrativa de um autor. Nunca a repete.
As palavras de Cristina Norton sugeriram ambientes à ilustradora e designer Danuta Wojciechowska. Um ambiente por cada conto. "É a estreia da Cristina no mundo dos livros para crianças, quanto a mim só uma vez ilustrei um texto para adultos. Somos, no fundo, duas intrusas,", ironiza a ilustradora, dona de vasto currículo no universo da literatura para os mais novos. "Não gosto da expressão 'infantil'. É redutora e trabalhar para crianças não é uma coisa menor", continua. Quanto a isso estão de acordo Danuta e Cristina. Vencedora do prémio Adolfo Simões Müller com 12 contos que compõem O Barco de Chocolate (D. Quixote, o livro que já saiu do estendal e está agora em exposição. "Gosto de olhar para os desenhos, ver o evoluir do trabalho". A designer explica a opção por uma montra pouco comum. É a sua montra. É o que mostra? "Poesia, magia, sonho", responde, por sua vez, a autora das palavras que deu total liberdade à criadora do desenho nos ambientes que inventou para as suas histórias.
Cristina Norton é escritora, professora de escrita criativa, com romances publicados e um quase a sair. Nunca editara para gente mais nova. Fê-lo agora, após um encontro com Danuta num atelier sobre como fazer um livro. Entrava abordagem escrita e a ilustração. "Dei os meus contos a ler à Danuta e ela deu-lhes esta configuração", declara Cristina Norton, folheando o livro. Ela, que foi conhecendo a outra forma da sua história à medida que o estendal ia ficando preenchido. Foi aí que o livro passou a ser de ambas. Obra comum ou duas que se complementam. Depende da forma como se olha as coisas. As duas riem, numa cumplicidade que nasceu ali, naquele atelier junto à avenida de Roma, entre palavras e um estendal.
Cristina Norton é apenas um dos muitos nomes da escrita dita para adultos que tem arriscado no universo da literatura infantil. António Lobo Antunes já o fez, como o fizeram Mia Couto, Ondjaki, José Eduardo Agualusa, Miguel Sousa Tavares, Vasco Graça Moura ou Agustina Bessa-Luís. "É uma tentação", afirma a romancista Lídia Jorge que começou neste meio com um equívoco (ver ao lado). "Vamos por tentativas." Pelo menos ela foi. À segunda, acertou. Contou uma história verdadeira sobre um pássaro sem uma perna. Truque? "Sentei--me diante de mim na perspectiva de uma criança, a linguagem flui naturalmente porque entramos no mundo deles." Simples? Nada. "É uma experiência, um desafio. Há óptimos escritores para crianças e não quero competir com eles. É uma ousadia, uma intromissão", confessa, mas quer repetir. Como Cristina Norton. Desta vez, escrever a partir de desenhos de Danuta, método inverso com o mesmo objectivo. "Encantar, despertar a criatividade, fugir ao quotidiano ainda que muitas vezes tenha de partir dele..." E "tentar que haja uma moral, um ensinamento." |