Imigrantes por Schroeder na 'Pequena Istambul'

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Um enorme out-door com o rosto sorridente de Gerhard Schro-eder surge logo junto à estação de metro Kottbusser Tor. Mas nesta zona do bairro de Kreuzberg o SPD aposta sobretudo na popularidade de Ahmet Iyirdili. O rosto simpático do candidato, de óculos e bigode, surge em dezenas de cartazes afixados nos candeeiros da zona de Berlim a que muitos chamam já de Klein-Istanbul, ou "Pequena Istambul", tantos são os turcos que aqui vivem. Aliás, alguns carros que passam deixam ouvir as estrelas do pop turco, como Setab Erener, Sezen Aksu ou Tarik Menguc, cuja música é vendida em cassete ou CD ali na Aydin Kasetçilik, loja na Kottbusser Strasse, rua onde além dos inevitáveis restaurantes de Doner Kebab há também locais de venda de roupa turca e até a filial berlinense do banco Ziirat.

Mas se os casais turcos, com muitas das mulheres de lenço colorido na cabeça, dominam as redondezas, a "Pequena Istambul" é sobretudo multiétnica, e aí vivem também imigrantes árabes, africanos, brasileiros e até portugueses. "Os turcos são a maioria, mas este é um bairro com todo o tipo de estrangeiros", explica José Oliveira, que trabalha no restaurante Transmontana, na Graef- strasse. Do outro lado da rua, quase em frente, há um restaurante italiano cujo dono, aliás, é um egípcio, contradição que ninguém parece estranhar em Kreuzberg, bairro conhecido também por albergar alemães hippies ou em busca de uma vida menos convencional. O que explica a força dos Verdes nesta zona, mesmo que a maioria dos imigrantes apoie os sociais-democratas.

"Não posso votar, mas se votasse era no SPD. Todos os turcos votam no SPD. Todos os estrangeiros votam no SPD", afirma Ahmet Parakazan, dono de um cybercafé na Urbanstrasse. Na família, os que podem votar vão domingo apoiar o chanceler Schroeder. "Os estrangeiros têm medo da CDU", acrescenta este homem já perto dos 60 anos, originário da província de Afyon, na Anatólia, e há mais de três décadas a trabalhar na Alemanha. Parakazan faz parte de uma maioria de turcos que ainda não tem direito de voto apesar de Gerhard Schroeder ter facilitado a obtenção da nacionalidade alemã aos imigrantes e seus filhos. Segundo a revista Der Spiegel, apenas 600 mil dos 2,6 milhões de turcos na Alemanha podem votar, mas numas eleições em que a CDU surge em vantagem nas sondagens o SPD tenta mobilizar todos os simpatizantes. E a candidatura de Iyirdili, alemão de origem turca, é um trunfo. "Nos anos recentes a maioria dos turcos alemães tem votado pelo SPD", afirma Dirk Halm, do Instituto de Estudos Turcos da Universidade de Essen. Calcula-se que dois terços desses eleitores votem SPD, enquanto nove por cento preferem a CDU.

"Schroeder conta com a simpatia dos turcos. Foi o seu Governo que deu os grandes passos para alterar as leis de naturalização e por isso os estrangeiros estão agradecidos", salienta Reinhard Urscher, autor de uma reputada biografia do actual chanceler, um homem que chegou ao poder em 1998 e que joga nestas eleições antecipadas a sua sobrevivência política. "Convém também não esquecer que a CDU é formalmente um partido 'cristão' e isso não favorece o partido junto do eleitorado muçulmano", nota Urschel. A CDU, de qualquer forma, dá óbvios sinais de não procurar nesta campanha o eleitorado turco, dada a dureza do seu discurso sobre a imigração e as repetidas declarações da candidata democrata-cristã a chanceler, Angela Merkel, contra uma adesão da Turquia à União Europeia.

"Os estrangeiros não gostam de Merkel", comenta um imigrante árabe, que prefere não dizer o nome. "E domingo votarei no SPD, Schroeder é o meu amor", acrescenta meio a rir, mas com determinação. Já José Oliveira, o português que trabalha no Transmontana, restaurante da sogra, não sabe ainda se vai votar. Diz estar certo que o SPD vai ganhar, sobretudo depois da forma como decorreu o debate na TV entre Schroeder e Merkel e por isso está "descansado". Também Vítor da Silva, antigo encardenador, diz apoiar o SPD, mas logo verá se vai votar. Ambos têm filhos já com cidadania alemã e sentem-se bem no país, se bem que se queixem de reduções nas prestações sociais. Vítor da Silva, que ficou desempregado depois de fechar a sua empresa, trabalha hoje na construção civil, mas relembra que o subsídio de desemprego "era curto".

Em sintonia na preferência pelo SPD, os imigrantes sentem, porém, algumas desconfianças de comunidade para comunidade, sobretudo dos outros em relação aos turcos. Santos, um brasileiro da Baía, diz que agora não tem problemas com ninguém, mas ao princípio de viver em Kreuzberg sentia alguma provocação por parte dos turcos. "Sabe, são muito brigões. Sentem que são a maioria e isso dá-lhes coragem", diz este músico, que completa o que ganha na sua arte com o trabalho ocasional em restaurantes. "Lembro- -me do jogo no mundial de futebol, quando o Brasil ganhou da Turquia. Os caras não gostaram e num restaurante houve briga feia. Tiveram até de chamar a polícia para separar as torcidas", conta Santos.

"Os turcos têm dificuldade em perceber que estão num país moderno.Uma parte deles adaptou-se muito bem à Alemanha e integrou-se perfeitamente. Mas outros ainda vivem fechados na sua cultura", comenta um alemão a viver na Klein Istanbul, um dos muitos em Kreuzberg que faz da bicicleta o meio de transporte preferido e que apesar de tudo sente-se bem na atmosfera multicultural do bairro. "Tenho amigos turcos e convivo bem com toda esta gente", diz.

Há quem acuse também os turcos de tentarem viver às custas da segurança social e de terem bastantes filhos para nunca mais precisarem de trabalhar, mas o que mais choca muita gente na Alemanha, inclusive os outros estrangeiros, são os ocasionais "crimes de honra". No restaurante Transmontana, algumas pessoas passam os olhos pelo Berliner Zeitung, jornal tablóide mais conhecido pela sigla BZ, cuja grande história desta edição é a morte à facada, na rua, de uma jovem turca de 21 anos. Semra deixou o marido com quem fora obrigada a casar. Este, de nome Gengiz, e com 25 anos, perseguiu-a até a encontrar e vingar-se. A amiga Fatma, também de origem turca e que presenciou o assassínio, está sob protecção da polícia. Tudo isto aconteceu em Berlim, onde se vêem mais mulheres de lenço do que na Istiklal Kaddesi, a avenida central de Istambul.

Reportagem A ALEMANHA EM TEMPO DE ELEIÇÕES

Leonídio Paulo Ferreira

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