Há sempre uma segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão
Entre a lufa-lufa para arranjar secretários de Estado que queiram integrar o Governo mais pequeno desde o 25 de Abril, a tomada de posse como primeiro-ministro e a preparação da sua estreia em Bruxelas para um Conselho Europeu, Pedro Passos Coelho tirou da cartola um coelho para resolver o imbróglio, escusado diga-se, criado pela recusa reincidente do Parlamento em eleger Fernando Nobre presidente da Assembleia. A derrota humilhante foi o que se chama entrar com o pé esquerdo. Porém, ainda primeiro-ministro indigitado, Passos Coelho surpreendeu. E, desperdiçada a primeira oportunidade com a teimosia ingénua escorada no argumento "sou um homem de palavra", eis que o líder do PSD "saca" Assunção Esteves para a função, quando todos se entretinham a fazer cogitações sobre outros nomes possíveis, para nos darem mais do mesmo.
Pedro Passos Coelho podia ter evitado entrar em cena a perder. Bastava, desde logo, não ter prometido a Fernando Nobre aquilo que não podia cumprir. Depois, ter sido firme e autoritário na negociação do acordo de governo com o CDS, garantindo nessa sede o voto do seu parceiro de coligação no candidato que propunha para o segundo lugar na hierarquia do Estado. E, finalmente, percebendo que o chumbo era inevitável, faltou-lhe arte e engenho para convencer o médico independente, maçon assumido, a curar a ferida aberta ainda na pré-campanha, retirando-se da corrida antes de sujeitar o partido a tamanha humilhação. Que é tanto maior porque ficou à vista de todos a força política de Paulo Portas e o quanto depende Passos Coelho do CDS, que, já se percebeu, em momentos futuros de crise, não hesitará em fazer valer a sua posição.
Quando chegou à liderança do PS em 2004, José Sócrates disse ao então primeiro-ministro Santana Lopes: "Não há uma segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão." Passos Coelho encarregou-se de desmentir o ex-primeiro-ministro. Ainda bem!
Assunção Esteves é, como foi sublinhado pelos deputados de todas as bancadas, a "primeiríssima" escolha para o lugar mais alto da Assembleia da República. Eleita deputada pela primeira vez em 1987, foi nove anos juíza do Tribunal Constitucional e, posteriormente, deputada ao Parlamento Europeu. Ficará para a história como a primeira mulher a ocupar tão alto cargo na República. Aos seus pares pediu que reinventem a democracia e que contribuam para a reconciliação dos cidadãos com a política. Se dependesse dela, esse desígnio estava já assegurado. Assunção Esteves é, sem dúvida, o melhor que podia ter acontecido à Assembleia da República. Elegante, inteligente, bem preparada, competente, culta, independente no pensamento e firme no que a resistir a pressões diz respeito. E a culpa, a boa culpa, de Assunção ter acontecido a São Bento é de Pedro Passos Coelho.
Da demagogia e dos seus males
Esta semana, colunistas e opinadores dividiram-se quanto à decisão de Pedro Passos Coelho ter optado por viajar em classe económica para o Conselho Europeu de Bruxelas que ontem terminou. Os que o elogiaram não foram, no entanto, capazes de negar a evidência: é populismo, mas do bom. Ora, sou dos que acham que o populismo é sempre mau, mesmo quando travestido de simbólico ou exemplar. Ser político em geral, e primeiro-ministro em particular, é uma função exigente que obriga a inúmeros sacrifícios. Não é por poupar meia dúzia de tostões em taxas - que é o que o Estado paga em viagens oficiais - que se dá o exemplo. Quero que o chefe do Governo português, que terá de enfrentar em cada viagem a Bruxelas duríssimas negociações, esteja na melhor forma física e mental para defender o interesse nacional. Tenha condições óptimas para trabalhar ou descansar, se for o caso, nas deslocações que faz. Não quero vê-lo estoirado, arrasado, com olheiras até ao queixo e a contorcer-se com dores na coluna, fazendo-me desconfiar da sua força e das suas capacidades. E pior! É precisamente pelo facto de os exemplos virem de cima que não gosto de ver o primeiro-ministro a contribuir activamente para o discurso populista que amesquinha os políticos. Estes não são "chulos" que estão lá para "ganhar o deles". Em Portugal, são de tal forma mal pagos que, na maioria das vezes, não se conseguem recrutar os melhores para a função. Foi aliás por esta razão que chegámos aqui. Por não termos os melhores a fazer política. Atitudes como esta servem apenas para afagar estes demagogos mal intencionados. Por isso, senhor primeiro-ministro, deixe-se destas coisas. Ah, e já agora, o Conselho Europeu que ontem terminou não podia, de facto, ter corrido melhor a Portugal.