Canadá. O primeiro país de uma louca aventura
A "Panamericana" é um conjunto de vias que unem o Alasca à Argentina. Uma verdadeira viagem de uma vida. Se fosse feita de uma só vez, seriam necessários, por certo, alguns meses, com paragens e visitas pelo meio, embora os recordes se situem por volta de um mês, sempre a rolar. A minha ideia foi fazê-la, sempre que possível, em troços, quando pisei, em separado, cada um dos países por onde ela passa. Foi como que uma louca aventura em episódios. Conhecida por "Rodovia Panamericana" ou "Via Panam", a ideia de uma estrada que unisse a totalidade do continente americano em latitude começou a ser delineada em 1929, mas só oito anos mais tarde ficou concluída. Com o forte apoio dos Estados Unidos, treze países americanos concordaram com o projeto, sendo que a ideia era que cada nação ficasse responsável pela construção em território próprio. À passagem pelo Canadá, no território polar, chega-se ao Yukon. Esta província de montanhas cobertas de neve é uma das mais frias da América do Norte, mas a duração do dia no verão permite o florescimento de uma infinidade de plantas. A rota seguiu para sul e cruzou o Canadá, passando pelas Montanhas Rochosas, na Colúmbia Britânica, depois em Alberta. Esta região selvagem do Canadá abriga muitos parques naturais, perto da pequena cidade de Kananaskis, localizada a 5 quilómetros de Calgary. Na primeira das carripanas coletivas, um companheiro de viagem canadiano passou-me o livro "A Historical and Legal Study of Sovereignty in the Canadian North: Terrestrial Sovereignty, 1870-1939" e explicou-me que se trata de um estudo sobre a soberania no norte do país durante aqueles anos. O livro estava muito anotado por ele e vindo a público nesse ano. O meu companheiro cursara na Universidade de Calgary. O autor, Gordon W. Smith, historiador, dedicou grande parte da sua vida a investigar a soberania do Canadá, no Ártico. Escrito ao longo de três décadas, o texto ainda estava incompleto na época da morte do escritor (2000). Percebi que se trata de um trabalho valioso sobre a natureza e a importância do norte do Canadá. Li alguns passos durante o percurso da viagem, com a complacente simpatia do meu companheiro de viagem. O livro fornece uma riqueza de detalhes, que vão desde a formação administrativa e o delineamento dos territórios até às expedições governamentais pela caça à baleia, pela disputa da fronteira do Alasca, pela exploração desse território entre 1870 e 1918 e pela questão da soberania dinamarquesa em relação à Gronelândia e sua relação com os interesses canadianos. Na Segunda Guerra Mundial, o Canadá declarou guerra à Alemanha, três dias após o Reino Unido. As tropas desempenharam papéis importantes em diferentes batalhas e o Canadá deu asilo e proteção à monarquia dos Países Baixos, enquanto este país esteve ocupado. O Canadá terminou a guerra com uma das maiores forças armadas do mundo e com a segunda maior economia do Planeta. Presentemente, diz-se que é um país maravilhoso para se viver, com uma população tão hospitaleira quanto o meu camarada de viagem neste troço da "Panam".
Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.