Belém, um péssimo exemplo

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A mentalidade portuguesa em relação ao automóvel devia ser um caso de estudo na Europa. A impunidade com que vemos por todo o lado carros em cima de passeios e passadeiras devia fazer-nos corar de vergonha sobre tamanha falta de civismo. Pior, são as próprias autoridades policiais que fazem vista grossa a milhares de casos destes por dia.

E são muitas vezes os veículos da polícia que estão em infracção sem qualquer justificação. O mesmo acontece com os veículos das câmaras e das freguesias. No caso de Lisboa não é raro ver carros e carrinhas em cima da placa central do Rossio, Restauradores ou nos passeios da Avenida da Liberdade. A desculpa é sempre a mesma: estão a trabalhar. Como se o facto de estarem a trabalhar desse permissão para não cumprir com o código da estrada e com o mais elementar civismo.

Há algo básico que os portugueses ainda não aprenderam ao fim de cerca de 100 anos de automóveis na via pública: os carros usam as estradas e as pessoas usam os passeios e passadeiras. E só em casos muito excepcionais, como emergências, é que esta regra pode ser esquecida. Basta estar dez minutos na Rua do Ouro em Lisboa para ver cargas e descargas feitas a qualquer hora em cima dos passeios. Ninguém é chamado à atenção, muito menos há multas.

Lisboa é uma selva no que diz respeito ao automóvel e nem Medina nem Moedas fizeram grande coisa para mudar este caos. Utilizar os passeios em Lisboa já é um autêntico pesadelo por causa dos muitos obstáculos, como painéis publicitários, postes mal colocados, calçada irregular, em que as pessoas têm de fazer gincana constantemente e depois ainda há milhares de chico-espertos que usam os passeios para parar o carro. Ao contrário do que acontece em qualquer cidade europeia, andar a pé em Lisboa é um contínuo desprazer.

Mas a freguesia de Belém é provavelmente uma das piores no que ao estacionamento ilegal e incómodo diz respeito. Aquela que é uma das principais salas de visita do país é o maior exemplo de tudo o que está errado na gestão do espaço público. Uma das imagens mais chocantes é o estacionamento mesmo em frente ao Mosteiro dos Jerónimos, classificado como património da humanidade pela UNESCO, que é permitido sempre que há missa ou um evento cultural no monumento. E com um parque de estacionamento subterrâneo ali ao lado no CCB.

É este o bilhete-postal de Portugal para o mundo: um dos mais importantes monumentos do país com dezenas de carros à frente, estacionados a cinco metros da fachada. Ninguém imagina este triste cenário, representativo do nosso atraso e da nossa falta de noção, em edifícios históricos similares no resto da Europa. Em Portugal o comodismo vence sempre, a começar pelo comodismo das classes mais altas, que não podem andar 200 metros a pé. Esta mentalidade em que se vai de carro para todo o lado e que se tem de estacionar a cinco metros do destino é uma vergonha para Portugal e para os portugueses.

Ainda na mesma freguesia, na Rua de Belém, a péssima gestão do espaço público continua, com o carro a vencer sempre. Os passeios minúsculos, que deviam ser alargados, ainda têm a "visita" quase constante de automóveis. Salva-se o passeio em frente ao espaço comercial dos Pastéis de Belém, que tem uma protecção. Mas mais à frente essa protecção já não existe e há sempre um carro ou dois em cima do passeio. Até no passeio junto ao Palácio de Belém e junto ao picadeiro real, antigo Museu dos Coches. Isto com um parque de estacionamento mesmo em frente, ao lado da Praça Afonso de Albuquerque. O mais curioso é que há ali uma esquadra da polícia, que nada faz perante estes casos.

Também em Belém, toda esta freguesia é uma colecção de maus exemplos, na Rua dos Jerónimos, basta ir subindo para começar a ver carros em cima de passeios, nesta que é uma das artérias principais da zona. Em frente ao portão da Casa Pia há sempre carros estacionados nos passeios e, virando para a Avenida do Restelo, sempre que há jogos do Belenenses a impunidade vira um escândalo. Não há um pedaço de passeio livre durante muitas centenas de metros e as pessoas têm de circular pela estrada. Esperemos que a reconfiguração desta artéria, com o novo supermercado e a nova área de serviço, este problema seja resolvido com a colocação de pilaretes.

Esta situação repete-se em Benfica e no Campo Grande quando há jogos de futebol nos estádios dos dois grandes de Lisboa. E não se pode dizer que estas zonas não estejam muito bem servidas de transportes. Mais uma vez o comodismo e o vício de ir de carro para todo o lado faz de Portugal um exemplo a não seguir. É necessária coragem por parte das autoridades e passar a punir de uma vez por todas quem estaciona em cima de passeios e de passadeiras. Sem dó nem piedade. Infelizmente, só assim as regras mais básicas passarão a ser cumpridas.

Presidente do movimento Partido Democrata Europeu
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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