A macroeconomia precisa de novos instrumentos para desafiar o consenso

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Os macroeconomistas estão mais uma vez envolvidos numa discussão sobre o futuro da sua profissão. Um exemplo disto foi o recente debate entre Lawrence Summers e Ben Bernanke sobre as causas profundas do abrandamento económico. O antigo secretário do Tesouro norte--americano defendeu a tese de uma "estagnação secular", enquanto o ex-presidente da Reserva Federal vê antes um caso de excesso de poupança em prejuízo do investimento.

É um debate esclarecido, mas que mascara também um problema mais profundo dentro da macroeconomia. A estagnação secular, uma queda acentuada nas taxas de crescimento com uma grande duração, não é uma coisa que se consiga enquadrar muito facilmente na atual geração de teorias e modelos macroeconómicos.

Parte deste debate faz-me lembrar uma discussão entre matemáticos nos finais do século XIX. Na época, os matemáticos - e os físicos também - consideravam ter resolvido a maioria dos problemas, tal como os economistas o pensavam ter feito até 2008.

É instrutivo voltarmos a um episódio que envolve o matemático alemão Richard Dedekind. Ele foi um dos rebeldes do seu tempo e usou uma nova técnica para provar um resultado importante. Hoje, o seu método seria considerado normal, mas naquela época foi revolucionário. A resposta dos tradicionalistas foi dura. Leopold Kronecker, outro matemático alemão, menosprezou a prova de Dedekind considerando-a inútil por não ter qualquer aplicação prática. Dedekind ripostou, não muito amavelmente, que ele pretendia "pôr pensamentos no lugar dos cálculos".

O advento da instabilidade crónica é atualmente o desafio equivalente para a macroeconomia. Os instrumentos usados hoje pela maioria dos macroeconomistas não conseguem lidar adequadamente com isto. São necessárias novas ferramentas. Elas existem noutras disciplinas, mas para os macroeconomistas de hoje parecem tão estranhas como as coisas abstratas pareciam aos olhos dos matemáticos do século XIX.

De momento, os tradicionalistas ainda dominam. Eles conseguiram ultrapassar as guerrilhas ideológicas do século XX ao darem um salto em direção a uma nova geração de modelos económicos que eram tecnicamente complexos - no sentido da matemática do século XIX. Os modelos integravam aquilo que os economistas sabiam acerca dos vários mercados com o conhecimento que tinham sobre a economia como um todo. Os chamados modelos de equilíbrio geral dinâmico estocástico (DSGE em inglês) foram desenhados até para lidar com algumas perturbações imprevisíveis como um choque tecnológico. Simplesmente não foram capazes de lidar com os choques que acabámos por sofrer - uma crise financeira, bancarrota e deflação.

De um ponto de vista matemático, os modelos modernos têm pelo menos três características questionáveis. A primeira é a suposição de um único equilíbrio macroeconómico - a noção de que a economia regressa à sua posição ou ao seu caminho anterior depois de um choque. Atualmente, os macroeconomistas não têm nenhuma moldura técnica coerente para lidar com uma estagnação secular ou com um excesso de poupança.

A segunda é a linearidade - a ideia de uma relação linear entre acontecimentos. Os modelos macroeconómicos-padrão são complexos e o seu sistema de equações é linear. Mas se quisermos compreender porque é que a economia teve um bom desempenho antes de 2007, porque houve uma quebra em 2008 e a razão pela qual o caminho do rendimento económico nunca regressou à sua trajetória anterior, necessitaríamos de modelos que incorporassem a noção de não linearidade e mesmo de caos.

A terceira não é logicamente uma categoria por si mesma, mas antes uma combinação das duas acima: a suposição de um espaço sem limites, onde, independentemente do local em que estejamos, podemos sempre ir mais longe. Sabemos, por exemplo, que as taxas de juro não podem descer muito abaixo de zero porque as pessoas podem sempre acumular dinheiro e evitar assim uma taxa negativa. Zonas proibidas como um limite inferior a zero são campos minados técnicos num modelo. Acontecem coisas estranhas quando nos aproximamos do limite exterior do nosso espaço.

Poucas destas críticas deixaram uma impressão duradoura na profissão. A maioria investiu o trabalho de uma vida no desenvolvimento de modelos DSGE. Eles continuam a remexer com os seus modelos e esperam que nenhum político alguma vez os vá usar. Infelizmente, já muitas instituições o fizeram. Um exemplo é a utilização pelo Banco Central Europeu de um modelo DSGE que tem produzido persistentemente previsões demasiado otimistas.

E quanto aos rebeldes? Um detrator precoce foi Hyman Minsky, que desenvolveu um quadro sobre como compreender uma crise moderna nas décadas de 1980 e 1990. Minsky foi banido pelo poder estabelecido. Os atuais desafiadores do consenso, tal como Minsky antes deles, permanecem nas antecâmaras desse debate, no Twitter e nos blogues, fora das revistas tradicionais e das universidades de topo.

Irão ser bem-sucedidos? Da mesma forma que nenhum desses modelos tem a esperança de predizer o nosso futuro, também eu não consigo predizer o futuro da macroeconomia em si. Tendo seguido o debate desde há muito tempo, o meu palpite é que, ao contrário do que acontece na matemática, o desafio ganhador virá de fora da disciplina e irá ser brutal.

*Editor do Financial Times

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