O DIA 14 DE FEVEREIRO INSPIRA POUCO RUSHDIE

Para Salman Rushdie, o Dia dos Namorados não é uma data inspiradora. E nem sequer se trata da desilusão com o divórcio da quarta mulher, Padma, uma supermodelo indiana. Sábado, 14 de Fevereiro, passam duas décadas sobre a condenação à morte do escritor indo-britânico pelo ayatollah Khomeini. O líder iraniano não gostou de saber que n'Os Versículos Satânicos Rushdie dava uma imagem negativa de Maomé. Uma blasfémia, pois o escritor nasceu numa família xiita de Bombaim. Aliás, por receio de ofender a sua minoria islâmica, a própria Índia baniu o livro pouco após a publicação em 1988, seguindo-se incidentes no Reino Unido, onde o livro foi queimado nas ruas, e no Paquistão. Até que a notícia chegou aos ouvidos de Khomeini, já em 1989, e levou à fatwa, uma (hoje famosíssima) expressão que designa a sentença de um teólogo do islão.

Khomeini morreu meses depois, mas Rushdie passou uma década escondido, protegido pela polícia britânica e com escassas aparições. O mundo intelectual saiu em sua defesa, incluindo muçulmanos como Naguib Mahfouz, e o perseguido sobreviveu escrevendo livros brilhantes como O Último Suspiro do Mouro. Relembrava assim que antes da desgraçada fama d'OsVersículos ganhara já prestígio com Os Filhos da Meia-Noite, Booker de 1983.

Dois tradutores seus foram esfaqueados. O japonês até à morte. Em Portugal, as ameaças chegaram ao editor Nélson de Matos, da Dom Quixote, que chegou a receber protecção do SIS. Rushdie, esse, apesar de pedir desculpas logo em 1989, só começou a respirar com certa liberdade em 1998, quando as autoridades iranianas se comprometeram a não cumprir a fatwa, condição para a normalização de relações com o Reino Unido. Passou então a viajar com crescente à- -vontade. Em Portugal, por exemplo, esteve em 2006 numa conferência na Feira, onde não se notou segurança especial. E, no início deste mês, foi a Cartagena das Índias, a um festival literário colombiano. Questionado sobre os acontecimentos de 1989, faz agora uma interpretação que realça o seu ego gigante. Diz que a fatwa de Khomeini foi vista como um acto isolado, mas prenunciava algo mais vasto. Refere-se ao terror do 11 de Setembro, na sua querida Nova Iorque, e também aos atentados nas duas outras cidades que mais ama, Londres e Bombaim. Mas a Al-Qaeda é um grupo sunita, que odeia tanto os xiitas como o Ocidente, e por isso Rushdie exagera na análise. Bizarro para um homem que em Shalimar, o Palhaço apresenta um tremendo retrato de como nasce um terrorista.

Por estes dias, não é só o divórcio que atormenta Rushdie - diz-se que as mulheres de AFeiticeira de Florença são todas uma alusão a Padma. E o livro esteve longe de ser um sucesso. Até o seu restaurante de luxo em Nova Iorque, o At Vermilion, está a correr mal. Mas mais preocupante é a súbita falta de ousadia num tema quente como Gaza. Em Cartagena, Rushdie limitou-se a dizer que não tem opinião sobre o assunto. Apenas que "as duas partes estão equivocadas".

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